terça-feira, 28 de agosto de 2018

Quantos eram? por Jura Arruda

Com o uniforme da escola manchado de barro, arranhões nos braços e no rosto, e um belo machucado no joelho, o menino caminhava na direção de casa com certo ar de superioridade. Enquanto tramava o dia seguinte, tentava entender o que fazia da escola o pior dos lugares pra se estar. A professora berrava mais que a tia Joana com o Luquinha; os colegas de sala pareciam ter saído de uma jaula e ele não gostava de dividir seu lápis de cor. A única coisa boa de lá era a Amanda.

Inalcançável, ele ouvira o pai dizer quando a bola foi parar na árvore da Dona Edna. A palavra ficou martelando em sua cabeça enquanto o pai manuseava uma vara em direção ao galho da jabuticabeira. Inalcançável, dissera a Vanessa sobre o Carlos Augusto do oitavo B. Abaixou para amarrar o tênis, o joelho ardeu, a mochila pesou, um carro buzinou. Do outro lado da rua viu Amanda passando com duas amigas. Elas riam. De quê? Terminou de amarrar os cordões e levantou-se. Amanda ia à frente e ria. Uma palavra assentou-se sobre seus pensamentos: inalcançável.

No quintal, o pai o esperava. Estava desempregado há três meses, mas só voltaria a procurar trabalho quando vencesse o prazo do seguro-desemprego. Os olhos do pai mudaram de cor e de formato, as sobrancelhas pareciam duas coisas vivas na testa. “O que aconteceu, meu filho”? A resposta saiu abafada, um misto de medo do pai e orgulho do feito, “briguei” – o pai abaixou-se, “No primeiro dia de aula?”. O que ele podia responder? Quando viu estava cercado e precisava se defender. “Se eu não for mais pro CEI, eu tenho direito ao seguro-desemprego”? O pai sorriu, disse que não. Pôs a mão em seu ombro e levou-o para dentro.

Comida sobre a mesa, ardor nos braços e no rosto, e uma sensação de que o joelho repuxava o tempo todo, pensava em como seria tratado no dia seguinte. Ouviu da mãe que eles iriam até a escola conversar com a professora e que isso não poderia mais acontecer. O pai, alheio à preocupação da mãe, olhou-o com certo orgulho, “Quantos eram mesmo”? A mãe reprendeu, disse que não era para estimular o menino a brigar, que ele precisava saber se comportar e conviver com outras crianças, e que era para isso que estava indo para a escola.

O menino olhou de viés para o pai e, disfarçadamente, apoiou o pulso sobre a mesa balançando os cinco dedinhos.