segunda-feira, 19 de agosto de 2019

Você confia na etimologia? por Hilton Görresen

Ainda hoje, muitas pessoas que escrevem discutem a “importante” questão: usa-se ou não vírgula antes do “etc.”. Os adeptos de sua omissão alegam que, no latim, essa expressão significa(va) “e outras coisas”; portanto, se já existe nela a conjunção “e”, não há necessidade de virgular. 

Se formos nos ater à origem da expressão, então não deveríamos utilizá-la para pessoas, animais ou localidades, apenas para coisas. No mais, o “etc.” já se cristalizou nos idiomas como um termo independente, que pode significar “dentre outros”, “entre outras coisas”, “e assim por diante”, etc.

Quem defende a prioridade da origem etimológica sobre a evolução linguística, não deveria, por coerência, falar ou escrever “comigo”, pois o componente “migo” originou-se de “me cum”, que por coincidência já significa... comigo. Estaria, portanto, chovendo no molhado. Isso vale também para “conosco”. E seria repetitivo alguém falar em “suicidar-se”, pois o prefixo “sui” já significa “a si mesmo”. 

E por que dizer que alguma moléstia dizimou uma população inteira, se o verbo “dizimar” na origem queria dizer “executar uma pessoa em cada dezena”? E um marechal não teria a menor autoridade se formos buscar sua origem de “cuidador de cavalos”.

Você toma banho usando chuveiro, que vem de chuva; embarca no ônibus, no avião e nem sempre num barco. Usa um “terno” de duas peças.

As moças saem na chuva com uma sombrinha. Os policiais pedem (ou melhor, ordenam) que os jovens circulem e isso não quer dizer que devem sair em círculos. Se você tem em casa um armário, certamente não é para guardar armas. Seu carro patina na lama sem que você lhe coloque patins debaixo da carroceria.

O repórter que “cobre” qualquer acontecimento não sai de sua empresa portando um cobertor. Para “desmanchar” um nó certamente ninguém precisa utilizar nenhum tipo de sabão em pó. E os ginastas e os antigos ginasianos deveriam exercer suas atividades completamente nus pois esse era o antigo significado de “ginásio”: sem roupas. E quem deseja bem se orientar deveria caminhar sempre voltado ao Oriente.

Com o tempo, palavras se desvinculam do sentido original.

Bom, e o caso da vírgula antes do “etc.”? Costumo dizer que usá-la (ou não) é opção de cada um ou norma da editora que publica os livros, revistas ou jornais. O gramático Celso Luft realizou pesquisa nos textos dos autores mais conhecidos, antigos e atuais, verificando que, na grande maioria, esses autores costumam usá-la. E eu estou com eles.