sexta-feira, 7 de junho de 2019

Quando vim para Joinville de Hilton Görresen

Quando vim para Joinville, a cidade era deliciosamente provinciana. Vim com minhas lembranças de menino, nas eventuais visitas à cidade: o ônibus da Viação Vogelsanger, a parada em Araquari – galinhas ciscando nas ruas de terra –, os casarões avarandados, os cafés com bolo na confeitaria Dietrich, o Cine Palácio, o Mercado, a estação de trem, ponto final das visitas.

Na época, encontrei quase tudo como minha imaginação havia deixado. Ainda não haviam derrubado casarões para construção de prédios. A via principal era a Rua do Príncipe. América, Glória, Boa Vista e outros eram “bairros afastados” como reza a canção “Velho Realejo”. No elevado onde se achava a igreja, eram realizadas as festas que arrecadavam recursos para construção da catedral. Na barraca de bingo, a Nazira Zattar me chamava, espalhafatosa, acenando um cartão; envergonhado, eu procurava me safar, estava sem dinheiro.

Havia me matriculado na nascente faculdade de Letras, a funcionar no Colégio Santos Anjos. Lembro da emoção da primeira aula, estava participando de um momento histórico para a cidade. E novo para mim. A maioria dos professores vinha de fora, de Florianópolis ou Curitiba. Uma das primeiras coisas que fiz na cidade foi tornar-me sócio da Biblioteca Municipal, capitaneada pelas funcionárias Sônia e Selma, com as quais fiz logo amizade.

À noite, saído das aulas, ia para o Castelinho ou para a Lanchonete Disneylanches, onde já me tornara conhecido dos garçons. No final de semana, ou quando me “ausentava” das aulas, filmes no Cine Colon; me sentava nas primeiras fileiras para observar as moças que entravam pela frente, diante da enorme tela. O incêndio do Colon foi o fim de um hábito delicioso.

Aos domingos havia os sorvetes da Polar, o movimento de moças na rua. Nos dias de semana, a caranguejada no Bar Caxias, às dúzias, acompanhada da cerveja geladinha. A disputa entre os admiradores da Brahma e os da Antártica. Naquele tempo, eu era um antarticista (será que existe esse termo?), sabe como é, a água de Joinville...

As “bavárias” na Sociedade Ginástica, um carnaval fora de época, sem falar nas dancinhas no clube Joinville e na boate “Engrenagem”. Os “quebra-cacos”, com muito chope e sopa preta. As disputas de futebol entre o Caxias e o América. Os primeiros livros necessários nas livrarias Record e Joinvilense. Sim, conheci outra Joinville, que podia respirar livremente, hoje com suas veias entupidas de trânsito e afogada entre prédios de mil olhos.