quarta-feira, 5 de junho de 2019

A próxima atração por Hilton Görresen

Dizem os machistas remanescentes da civilização ocidental que assistir novela é coisa de mulher. Mas acredito que não tenha marmanjo que não dê uma olhadinha, mesmo que disfarçadamente, dizendo: esta porcaria de TV não tem outra coisa melhor pra se assistir! Chega um ponto em que a trama começa a esquentar, e quando vão ver, já estão envolvidos na história, acompanhando as peripécias dos diferentes núcleos que giram em torno dos protagonistas. Aliás, são essas peripécias, dramáticas, cômicas, românticas, que dão sabor à novela, essa bisneta dos folhetins românticos do século 19. Mas não pense o leitor que tomei da pena (como se dizia antigamente) para fazer a apologia das telenovelas. Apesar de toda a tecnologia atual, essas tramas eletrônicas continuam se valendo, cada vez mais, das velhas fórmulas folhetinescas. Uma delas é o documento comprometedor, esse não pode faltar no arsenal de nenhum novelista. Incrível como ninguém consegue dar um fim nesse tal documento, rasgá-lo, incinerá-lo, ou mesmo utilizá-lo no banheiro para fins inconfessáveis. É uma “carta na manga” (atualmente pode-se dizer um vídeo na manga), que só aparece no final para desmascarar os vilões. A fórmula do “filho desaparecido“ ou do “filho que ignora a identidade do pai” já podia ser encontrada na mãe dos folhetins, “Os Mistérios de Paris”, de Eugene Sue, em que o governante de um principado europeu se envolve no submundo de Paris em busca da filha desaparecida, raptada no berço. Teve uma famosa sequência no lacrimoso drama “O direito de nascer. A fórmula do moço de boa família que se apaixona por alguém de nível social inferior (ou vice-versa) teve sua trágica concretização em “A Dama das Camélias”, de Dumas Filho. O protagonista condenado por algum crime, por intriga ou armação de seus desafetos, é a espinha dorsal do romance (ex-folhetim) “O Conde de Monte Cristo”, de Dumas Pai. Inimigos ferrenhos, que ignoram serem irmãos, estão no excelente “Scaramouche”, de Rafael Sabatini. A trama do amor entre membros de famílias inimigas, que ainda hoje esquenta o ibope, já nos vem de Shakespeare (Romeu e Julieta), assim como a pessoa intrigante que provoca a quebra de confiança entre amantes (Otelo). Hoje, há somente uma pequena diferença: a quebra de preconceitos da modernidade reflete-se principalmente nas novelas; as relações amorosas, que se constituem o ponto central desses folhetins, deixam cada vez mais de acontecer entre o casal nuclear, ou seja, entre um homem e uma mulher. Quantas dessas fórmulas o leitor encontra em sua atual novela das 8 (que começa às 9)?