quarta-feira, 29 de novembro de 2017

Três moças por Jura Arruda

O painel instalado em uma das colunas do terminal urbano indicava que o ônibus 0700 partiria às 22h06. Sentei-me com três exemplares do Hekademeia – publicação da Academia Joinvilense de Letras – nas mãos. Houve tempo para ler Carlos Adauto Vieira e Milton Maciel, em textos que narram o início de sua escrita. Em seguida, o veículo grande e amarelo estacionou e embarquei, saído de um café literário no Harmonia-Lyra. Sentei-me em um banco que faz o passageiro viajar de costas, não sei exatamente o que me atrai nele, mas é o que escolho. Talvez porque ali consigo observar toda a movimentação e ouvir alguns diálogos. É prato cheio para um escritor, experimentem.

Aos poucos, mais pessoas entraram e os bancos foram sendo tomados. Diante de mim estavam três moças. Sou capaz de apostar que não tinham mais do que dezoito anos. A convicção vem da conversa que ouvi. Se tomasse como critério o aspecto físico, apostaria em quinze anos de idade. Usavam shorts e maquiagem, falavam alto assuntos que é costume falar baixo. “Eu tava muito cheirada! Cara, foi 100 gramas que ele levou”. Pensei ter ouvido errado, posicionei antena e, enquanto olhava para a janela vendo nada, tentava captar a conversa que se seguia. “Quando chegar lá, vê se já me arruma uns gole. Quero tomar todas. E uns boy também, que hoje eu tô afim de...”, não lembro se ela não completou a frase ou foi interrompida.

Uma senhora que estava próxima e visivelmente incomodada pediu licença e foi para o outro lado do ônibus. Por um momento, meu olhar cruzou com o de uma delas, que sorrindo e, sabendo que sua atitude não era convencional, disparou: “O moço deve estar assustado”. Sorri, meneando a cabeça que não. Menti. Era assustador ver aquelas meninas falando em público do uso de cocaína e bebida, entre uma ou outra citação sobre sexo e homens.

O percurso estava quase no fim, acabáramos de passar pela Sociedade Floresta, quando a menor comentou: “A gente que tem filho, tem que saber que o tempo é diferente pra pai e mãe. Tem que ficar com a criança o máximo que puder”, ao que a outra respondeu: “Eu só saio de sábado. Fico a semana toda com meu filho. Ele é tudo pra mim”. Desembarquei. Não, na verdade, ainda estou naquele ônibus – estamos todos – seguindo nessa viagem sem volta.

(Crônica publicada em 17/11/17, no jornal A Notícia)