quinta-feira, 16 de maio de 2019

Quartinho da Dany (fonte)

Ah, que mundo bom seria se as pessoas considerassem crianças seres humanos! Estranha frase, né? Mas, é. É assim que funciona: adultos consideram crianças sub-humanos sem vontades, sem dores, sem sentimentos, sem quereres. "Criança não tem querer!", quem nunca ouviu? Só que tem... Criança tem querer. Criança acorda triste. Criança acorda de ovo virado. Criança acorda sem paciência. Criança acorda sem apetite. Assim, tipo nós, adultos, entende?

Adulto chora. Criança chora.
Adulto se irrita. Criança se irrita.
Adulto passa o dia de cara feia. Criança passa o dia de cara feia.

Cobramos das crianças o que nem nós conseguimos ser: perfeitos, sorridentes o tempo todo, bonequinhos sob comandos.

Dia desses, o pequeno não aceitava comida de jeito nenhum. E eu lembrava dos mais variados conselhos: não dê nada no lugar da comida, jamais troque uma refeição por outra coisa, guarda a comida e, quando ele tiver fome, vai comer. Oras, eu conheço meu filho. Sei que ele come comida com vontade. Naquele dia, ele poderia estar indisposto. Ele poderia estar enjoado. Ele poderia simplesmente não querer comida. A gente também se sente assim. Já me mandaram comer de 3 em 3 horas, não respeitei porque sentia fome antes das 3 horas ou, em 3 horas, eu ainda não estava com fome. Nada é rígido. Nosso corpo não vem com manual ou relógio. Meu pequeno simplesmente poderia não estar querendo comer por causa do calor que tá fazendo aqui no Rio. De repente ele só não sabia expressar que precisava de alguma coisa mais fresca e mais leve. Troquei o jantar por um pratinho de frutas e ele comeu tudo e com prazer. Foi dormir de barriguinha cheia e coração feliz.

Crianças têm vontade, sim.

É que nós, com pressa, não os ouvimos. Não os olhamos de verdade. Não os sentimos. Não temos tempo pra eles. A vida corrida nos faz atropelar todos os nossos sentidos. E nos faz atropelar nossas crianças.

E, pra não ter obstáculo no caminho, a gente inventa que criança faz birra, chora à toa, não obedece, não come. Será mesmo? Ou será que a gente quer ficar grudado no celular e a criança faz "birra" pra chamar nossa atenção? Será que a criança não come mesmo ou será que a gente não tem tempo pra prestar atenção no que ela precisa? Não sei, são questionamentos.

A gente aprende a respeitar adultos, idosos e animais. 
Não aprendemos a respeitar as crianças.

Talvez por isso a gente tenha essa lógica maluca:

Bater em adulto -> crime.
Bater em animais -> maus tratos.
Bater em crianças -> aceitável porque isso é educar.

Criança é vulnerável. Aceitamos que batam nelas. Aceitamos que restaurantes não as aceitem. Aceitamos que hotéis neguem sua presença. Aceitamos que comida seja enfiada goela abaixo. Aceitamos gritos, tapas, humilhação e ofensas. Aceitamos tudo o que jamais faríamos com outro adulto.

Olhemos pra nossas crianças com carinho e cuidado. Aquela birra pode ser pra chamar sua atenção. Afinal, elas ainda não sabem comunicar tudo através da fala. Aquele choro pode ser um incômodo que não está sendo exposto de outra forma. Aquela negação da comida pode ser falta de fome.

Respeitemos nossas crianças pra que elas cresçam amadas e que aprendam a respeitar. Do contrário, não adianta reclamar lá na frente que elas não respeitam, que não têm empatia, que desrespeitam o professor. Elas aprendem o que vivem.