Não é que eu não goste de animais. Ninguém pode me sacrificar por isso. Mas se forem me dar algum animalzinho, dispenso gatos.
Só havia tido gato em casa em minha infância. Era um bichano preto, vagabundo, que atendia pelo nome de Míchi. Andava por ali a esmo, sem ninguém lhe dar atenção. Nada de colinho, de afagos, de ficar deitado nas poltronas. Talvez meu pai o deixasse ficar para nos proteger dos ratos. Em nossa casa tinha uma despensa onde se acumulavam quinquilharias de pai pra filho. Ali podia se encontrar de tudo, cadernos e livros velhos, ferramentas, fios, cordas, aparelhos inutilizados... um paraíso para ratos.
Minha tia solteirona, que morava conosco, detestava o Míchi. O bichano adorava se enroscar em suas pernas. Não podia dar um passo dentro de casa sem quase tropeçar no bicho. Gato do diabo! – exclamava sempre. Lembro que uma de minhas “aprontadas” foi em cima dele. Minha mãe possuía uma estola de pele de raposa, com cabeça, focinho e uma cauda macia. Não a usava mais, porém a conservava no local que ela imaginava inacessível aos filhos: a prateleira superior de seu guarda-roupa. Ali, além da estola, havia uma caixa de fotos, certificados de cursos escolares e um livro de iniciação para noivos e recém-casados (vê se hoje alguém precisa disso), com fotos “naturais” do corpo humano. Coisa proibida aos nossos olhos infantis.
Sabem o que fiz? Peguei a tal estola e a coloquei em cima do Míchi, prendendo suas patas embaixo da barriga do bichano. Ficou um animal engraçadinho. Quando o soltei, saiu feito louco pela casa. Nossa empregada, quando viu aquilo, saiu apavorada a chamar minha mãe: Corre aqui, dona Nena, um bicho entrou em casa! Me livrei da surra porque fui rápido em ganhar a porta da rua.
Mas, um dia, cismaram de dar um gatinho para minha neta. O gatinho era lindo, branco, com tons acinzentados, olhos azuis. Agora estou entendendo o que passava minha tia naquele tempo: quando o bichano não estava esfregando o rabo em minhas pernas, atravessava em minha frente sempre que eu ia dar um passo. Já se enroscou nos fios do computador e quebrou um pote de vidro (ou alguém quebrou e colocou a culpa no gato). Quando não estava por perto, podíamos encontrá-lo dormindo tranquilamente em meu guarda-roupa, confundido entre lençóis e fronhas.
Não sabia o que ia acontecer primeiro: ou ele me dava um tombo ou a neta acabava com as suas sete vidas, de tanto amassar e puxar pelo pescoço. Nota: informo que o bichano foi doado.