O caminhão parou em frente da casa. Tocaram a campainha. Eram dois gajos parrudos.
– Viemos fazer a mudança!
– Não é aqui! Deve ter sido engano – falou a mulher que atendeu.
O mais alto examinou os papéis que tinha nas mãos. Conferiu o endereço:
–É aqui mesmo. Olha dona, nós não temos tempo pra perder.
O marido veio, de pijama, um resto de creme de barbear no queixo.
– Deve ter sido um mal-entendido, verifiquem melhor.
– Negativo – falou o grandão – não vamo fazer papel de bobo. Temos mais serviço, não podemos ficar aqui parados, não é Chico?
Chico resmungou alguma coisa. Suas costas enchiam a abertura da porta.
– O que os senhores querem que eu faça? – falou o marido.
– O senhor resolva logo. O que vamos colocar no relatório? Que o senhor desistiu de fazer a mudança? Vai ter de se mudar por bem ou por mal. Chico, vai pegando as tralhas e coloca no caminhão.
– Diz pra este troglodita não meter as mãos no meu sofá – gritou a mulher. Faz alguma coisa, Lourival! Mulher baixinha e autoritária, acostumada a controlar o marido.
Lourival, em consideração ao tamanho dos dois, resolveu agir com diplomacia:
– Esperem! Conversando a gente se entende, não é? Dou uma retribuiçãozinha a vocês...
– Nada de retribuiçãozinha! Viemos aqui fazer o serviço. Não vamos sair de mão abanando! Vamos, Chico! Pega o sofá.
– Larga! Larga! Lourival, liga pra polícia.
– Liga, Lourival – falou acintosamente o homem. Quero ver a confusão.
Quer um escândalo na sua rua?
– Vocês não têm o direito... Vão embora. Deixem-nos em paz.
O homem sentou no sofá. Cruzou as pernas. O rosto era redondo, com a barba por fazer. Dois olhinhos remelentos brilhavam debaixo da sobrancelha grossa, desgrenhada.
– Chico, senta aí, não saímos daqui enquanto o doutorzinho não resolver a questão. Chico tinha braços peludos, somente os óculos de hastes negras disfarçavam a expressão animal do rosto.
– O que vocês mais querem? – Lourival, indignado, engrossou a voz.
– É muito simples. Se recusa fazer a mudança, então pague o nosso serviço.
– O quê? Vocês estão loucos. Não vou pagar coisa nenhuma. Saiam.
A mulher percebeu que a situação ia ficar tensa. Suas mãos tremiam. Foi à cozinha e voltou com uma faca de cortar carne. Dirigiu-se ao mais alto, que era o líder.
– Olha aqui, seu ordinário. Ou se mandam ou passo a faca no seu bucho.
– Tenta, sua vaca. Vou te fazer engolir essa merda.
– Respeita minha mulher! – gritou Lourival. A própria mulher se assustou com aquele furor inusitado. O marido sempre foi comedido e gentil como um cortesão do século 18. Agora, não podia retroceder. A raiva o deixou descontrolado, o rosto avermelhou, os músculos se retesaram, animal defendendo seu espaço. Arrebatou a arma da mão da esposa.
– Dá aqui essa merda! E pulou para cima do homem.
Chico o segurou por trás. No embate, a faca se voltou para seu próprio peito. Abriu a boca, estupefato, e caiu sangrando no tapete. Os dois homens, assustados, correram para a porta. A manhã fresca e ensolarada os recebeu indiferente.
No dia seguinte saiu a mudança: Lourival, branco e teso, dentro de um caixão.