domingo, 28 de julho de 2019

O colecionador de liberdades por Jura Arruda

Não sirvo para colecionador de objetos. Tentei uma ou outra vez, mas não vejo sentido em guardar selos, reunir moedas ou etiquetas. Nos tempos das fotos reveladas, muito raramente abria a caixa para vê-las. Quem abria, ainda abre, é minha mãe, para lembrar a um amigo de longa data que fôramos jovens ou a um novo amigo, que fôramos felizes.


Certa vez, cismei com bolinhas de gude, guardava-as em uma lata de leite ninho e, por não querer perdê-las, perdia a brincadeira de jogar. Passei a espectador da diversão dos amigos da rua. O risco de perder as bolinhas de gude me impedia a alegria de brincar. Um dia, cansei de contemplar bolinhas de gude e voltei a jogar, perdi todas e fui feliz.

Na adolescência, mais de quinhentos CDs submergiram em uma enchente. Sofri, mas voltei a encontrar as canções tempos depois em aplicativos de música e sou feliz. Havia também cartas que não sei onde foram parar, de amigos que não sei onde estão e, tudo bem.

Muitos objetos não passam de quinquilharias a poluir espaços e nos prender. Costumam pesar, costumam enraizar e impedir voos. Não sirvo para colecionador de objetos. Não gosto do peso que carregam. Prefiro as lembranças vivas na alma ou mortas num não-lugar qualquer porque deixaram de fazer sentido.

Há desapego em mim, não sofro por coisas. E se não trago coleções de objetos, carrego em mim frases e cenas de filmes e trechos de música e vozes suaves que ouvi. Sou da abstração, sou do que não se pode tocar com as mãos, do que não se pode mensurar, do que não se explica, sou da liberdade esvoaçante da alma.

Sou colecionador de emoções, como a que um dia me trouxe Cecília: “Liberdade, essa palavra que o sonho humano alimenta, que não há ninguém que explique e ninguém que não entenda”.

Ela me faz lembrar que sou do vento, que sou das asas abertas, que sou da amplidão, que não coleciono o que posso tocar, mas o que me toca.