Você pronuncia “líkido” ou “lícuido” quando lê a palavra “líquido”?
Não, não se pergunte, ou vai descobrir que nunca pensou nisso e, agora que se perguntou, vai ficar na dúvida e experimentar uma e outra para descobrir que forma tem usado, e não vai chegar a conclusão nenhuma, porque ambas soam naturais, familiares.
Com “questão” é diferente.
Antigamente (antigamente de verdade, muito tempo atrás), ninguém tinha dúvida que fosse “cuestão”, inclusive porque tinha trema (“Responda às qüestões abaixo”, lembra?). A gente preenchia qüestionário, se qüestionava a respeito das coisas. Mas não sobre a pronúncia de questão. Agora, tudo mudou: a kestão prevaleceu sobre a cuestão, e isso é inkestionável.
Catorze ou quatorze? Quem nunca hesitou na hora de preencher o cheque? (Lembra do cheque? Era um papel retangular, tipo um dinheiro que a gente fazia em casa, do valor que quisesse. Ninguém tinha dúvida se era cheke ou chécue, mas todo mundo bambeava na hora do 14 por extenso). Cheguei a fazer um cheque de quinze e dizer pro entregador de pizza ficar com o troco (isso foi em Copacabana, década de 70, e nem sei mais se era cruzeiro, cruzado, cruzeiro novo, cruzado novo ou contos de réis, mas não esqueço o mico e o prejuízo de um cruzeiro, cruzado, cruzeiro novo, cruzado novo ou conto de réis que a ignorância me causou).
Liquidar (likidar) ou liquidar (licuidar)? Likidificador ou licuidificador? Likidez ou licuidez? Likidação ou licuidação?
Quando havia o trema (que Tote – nome do meu avô e do deus egípcio do conhecimento e da escrita – o tenha), a gente tinha dúvida se era para pronunciar o U. Liquidaram o trema e agora a gente tem dúvida se é para não pronunciar.
A resposta é: tanto faz. As duas pronúncias são aceitas, pelo menos no Brasil. Naquela língua estranha que falam em Portugal, no espanhol, no catalão, no italiano, a tendência é que o QU soe como K.
Já aqui a dupla pronúncia é antiquíssima (antikíssima ou anticuíssima, você decide). Claro que ninguém vai ao anticário, mas, se for, pode escolher entre comprar antigüidades ou antiguidades (suponho que as primeiras sejam mais caras, pois a pronúncia é mais velha).
Kestão e cuestão são, portanto, uma questão de gosto. De hábito. Eu digo “pôça d’água”; em Mato Grosso dizem “póça d’água”. Eu digo que algo me dá uma dó danada, porque dó (no feminino) para mim é pena, e no masculino é a nota musical. Pois a gramática insiste em dizer que falo errado, que dó é macho, vem de “dolus”. Eu cresci dizendo rúim, e só depois fiquei sabendo que o bom é dizer ruím.
Se o presidente prefere dizer cuestão, está no direito dele. É um anacronismo, mas o STL (Supremo Tribunal da Língua) não há de condená-lo por isso.
(PS. Nunca briguei tanto com o corretor de texto como neste texto. O desinfeliz corrigia todos os meus tremas, todas as minhas grafias fonéticas. Se eu fosse um escritor sanguinário – ou sangüinário – teria desinstalado o aplicativo, mas isso poderia aumentar o meu coeficiente – ou quoeficiente? – de erros, e abalar a crença de muita gente quanto ao meu quociente – ou cociente? – de inteligência. Deixei quieto. Mas sei que vamos nos estranhar de novo. É cuestão de tempo).