– Mãe, não vou mais na escola. Tenho ódio daquela gente. Prefiro estudar aqui em casa.
– Ah, não, meu filho, você vai, sim. Não vem com história. Trabalho como escrava na padaria e você fazendo boquinha.
– Eu não vou, já disse. Estou cansado de gente estúpida.
– Eu me ralando pra dar estudo pra você e fico ouvindo tanta besteira. Jesus, tenha piedade de mim.
– O que os professores ensinam, eu já sei. Não estou aproveitando nada. Perda de tempo.
– Me diz a verdade: o que aconteceu?
– Você sabe do que se trata.
– De novo, a história do umbigo?
– Sim, eles estão me gozando. Todo mundo quer ver se é verdade ou não. Pareço um bicho estranho. Estão fazendo um concurso pra saber quem não tem umbigo. Está no WhatsApp.
– Deixa eu ver.
– Aqui está.
– Deus do céu!
– Virei palhaço. Está todo mundo gozando. Pareço saco de pancadas.
– Que maldade. Essa meninada não tem o que fazer? Parece urubu em cima de carniça.
– Odeio essa gente. Se descubrir quem fez, vou dar uma surra.
– Eu vou falar com o diretor. Isso é bulling.
– Por mim, pode falar. Eu não voltarei lá. Até as meninas me olham de forma esquisita.
– Vou falar, sim. E você vai voltar às aulas.
Ambos se calaram. Ouvia-se o burburinho que subia da rua. Estavam magoados, impotentes.
– Mãe, por que não tenho umbigo?
– Já te falei mil vezes.
– Me fale de novo.
– Ah, está bem. Só mais esta vez.
Sentaram-se no sofá.
– O teu pai não podia ter filhos. Depois de anos, resolvemos ir no laboratório. Lá, o médico pegou um esperma de outra pessoa e colocou dentro de mim. Assim, você cresceu dentro de minha barriga. Foi assim que você foi concebido. Do contrário, você não seria este menino tão bonito... e eu não teria você.
– Por que o pai não podia ter filhos?
– Era infértil. Alguns homens são improdutivos. Ele não tinha culpa disso. O importante é que ele gostava tanto de você.
– Do que ele morreu, mãe?
– Ah, filho, de câncer. Você tinha dois aninhos.
– Ele sabia que eu não tinha umbigo?
– Sabia, sim.
A mãe enxugou as lágrimas.
– Ele gostava de mim?
– Gostava, sim. Segurava você no colo e cantava canções. Enquanto você não dormia, ele não deixava de segurá-lo no colo.
– Mas ele não era meu pai.
– Seu bobo, pai é quem cria.
– Quem é meu pai?
– Isso eu não sei. A gente não pergunta de quem é o esperma. Mas o médico me disse que o doador era um cientista.
– Um, o quê?
– Cientista. Sujeito que vive descobrindo coisas que a gente não vê.
– Quero conhecer este pai estranho. Será que ele também não tinha umbigo?
– Não pode. Já te disse: pai é quem cria.
Voltaram a ficar calados. Vou deitar, disse ela. Amanhã tenho que surrar a massa até doer os ossos.
– Mãe, posso ter umbigo? Tive vendo: os cirurgiões plásticos. Recriam nariz, boca, bochechas, orelha, dedos, deve haver alguém que cria umbigo. Pelo menos, não seria motivo de chacota.
– Se a gente tivesse dinheiro... Isto custa os olhos da cara.
Cada qual foi para o seu quarto. Mas Joel não dormiu. Ficou pensando... De repente se levantou e foi mirar o telescópio. Abriu a janela e começou a espiar o universo.
Oh, mundão! O que via era imensurável. Um sistema solar formado pelo Sol, asteroides, satélites, meteoros, cometas e oito planetas, com formas esféricas, sempre em órbitas elípticas. Lá estavam todos eles suspensos vagando. Teria vida extraterrestre? Ah, se tivesse, ele gostaria de mudar-se. Estava cansado da Terra. Pra dizer a verdade, desgostoso. Quem sabe, em Marte, os habitantes eram como ele, sem umbigo.
O Universo sumia no infinito. Quantos planetas teriam outras estrelas? O mundo se estendia. Lembrava-se das palavras do professor de física: “O mundo está sendo criado neste momento. Ele está se expandindo.” Seria verdade? Ou o professor estava mentindo?
Mergulhar no sistema solar era a viagem dos sonhos. Mercúrio, Vênus, Terra, Júpiter, Saturno, Urano, Neturno – uma viagem que Joel fazia todas as noites, como se fugisse. Quantas vezes não desejava ir para Neturno, o mais distante do Sol. Difícil de ver até no telescópio, presente da mãe. Custara uma fortuna. Os olhos da cara, como ela costumava dizer. Neturno, lá estava ele, o gigante gasoso, tal como Júpiter, Saturno e Urano. Como seria aquela atmosfera construída por hidrogênio, hélio e metano? Como poderia chegar até lá? Tão distante: 4,5 bilhões de quilômetros do Sol, 156 anos terrestres para completar uma órbita, rodeado por 14 luas.
Espiava, embevecido, os planetas. Deus, como tudo era maravilhoso! O homem – tão pequenino, um grãozinho de areia que qualquer vento fustigava. Não era nada diante da vastidão do universo.
Dormiu debruçado à mesa, as mãos sobrelaçando o telescópio, como se abraçasse o mundo. Sonhou. Estava em Marte, o planeta tão parecido com a Terra. Mas estava preso numa gaiola: um grupo de seres peludos, parecidos como gorilas, espiavam-no e riam, apontavam-no com os dedos. Joel estava nu e todos apontavam para sua barriga. Riam de quê? Aqueles seres estranhos também não tinham umbigos. Então, por que apontavam para sua barriga?
– O roto rindo do esfarrapado – disse, enfurecido. – Agora, por favor, me libertem.
Mas aqueles estranhos não o entendiam. Por isso, ele começou a tremer, a suar, a sentir calafrios.
– Quero um cobertor. Está muito frio. Quantos graus abaixo de zero? Vinte, trinta, 50 graus? Nem na Sibéria é tão frio assim. Parem de rir e me deem um cobertor. Eu imploro.
Estava perdendo os movimentos. Respirava entrecortado, como se alguém pisasse em sua garganta.
Uma jovem graciosa e peluda jogou-lhe uma pele de urso por entre as grades da gaiola. Tinha um sorriso grande. Os pelos cobriam-lhe os seios e os quadris. Mas dava para Joel ver que ela também não tinha umbigo. Depois, ela lhe deu um caneco de uma bebida amarga e quente. Aos poucos, ele sentiu o corpo se aquecer. Agora, o grupo de seres estranhos confabulava num círculo. O que estariam tramando? Aguçava os ouvidos para ouvir, mas a fala era sincopada, murmurante. Estariam tramando a sua morte?
De repente, enquanto aqueles seres estranhos confabulavam, a jovem abriu a porta da gaiola e o puxou como se levasse um socavão inesperado e ambos saíram correndo pelas montanhas rochosas.
Então, Joel acordou.