Quando cheguei à cidade, estava liso, sem nada. Andara por diversos lugares e voltava com uma mão atrás e outra na frente. Naquele dia, já de tarde, não tinha comido nada e sentia o cuspe revirando no estômago. Estava disposto a fazer qualquer coisa. Sem trabalho, o país em crise, recessão braba.
Quando pisei o chão amado, o coração parecia dar murros no peito. Estava nervoso. Queria rir, mas não conseguia. Queria vê-la. Nunca havia esquecido aquela mulher. Será que ainda se lembrava de mim? Falar de minhas andanças, das aventuras e dos sofrimentos, do quanto eu ainda a amava. Faminto, o estômago grudado às costas, procurei-a. Me disseram que ela se casara e se mudara. Pra onde? Ninguém sabia. Desgraçada – ruminei.
Então, de repente, não sabia o que viera fazer naquela cidade. Cérebro oco. Perambulei indo e vindo, sem reconhecer ninguém, até que um amigo, o Nicolau, me interpelou. Fomos pro boteco. Na rua, o vento de fevereiro soprava ardido, o quentume parecia que saía da boca de um forno. Não sei por que me lembrei do forno a lenha de minha mãe e do pão gostoso que ela fazia. Mas o quentume, por causa da fome, virava um suor gelado que grudava a camisa no corpo.
Tá tudo ruim, disse Nicolau. Daqui a pouco essa gente vai brigar até pelo cachorro morto na rua que algum caminhão esmagou. Os políticos roubaram tanto que botaram a Nação na miséria. Êh, América Latina... Estamos fadados a fornecer sangue para os estrangeiros. Sabe, continuou ele, a única coisa repartida, que aumenta, é a miséria.
As moscas zuniam, passeavam pela mesa, pelos copos, por nossos braços. A gente bebia a cerveja de um gole só e limpava a espuma da boca com as costas da mão, e voltava a falar da miséria. Na frente de meia dúzia de garrafas vazias, ele perguntou: Você sabe atirar? Tem boa pontaria? Possui revólver? Não sabia atirar e não tinha revólver. Por quê? Bem, ele disse, tenho um servicinho que lhe pode render uns trocados. Ah, é? Sim, coisa rápida, mas precisa de um revólver. Vamos pra casa. Bebi o fundo do copo e a cerveja estava mais densa, a espuma um creme frio cheio de bolhinhas. Me achava zonzo. Segui ele rua afora, um cachorro perdido. Já era noite e o ar úmido e quente pesava sobre as ruas. Sabe, confessei, não sei por que voltei. Ela não mora mais aqui. Senti, novamente, o coração dar murros no peito. Toma esse revólver, vá atrás da casa e comece a disparar – ele foi dizendo, abrupto. Não há vizinhos. Pac-pac-pac. O alvo, uma latinha, pulava endemoniada e já estava toda furada. Você deve estar faminto, ele disse. Me deu pão seco com mortadela. Mais cerveja. Agora, com o bucho cheio, vai neste endereço e traga a grana. Estão me devendo. Comigo, não tem perdão. Se não pagarem? Dê uns tiros pra assustar. Riu torto, como Belzebu.
Na rua deserta, voltei a pensar nela. Bandida. Casara-se. Arrotei a mortadela e a cerveja. Lá estava a casa. Gente rica. Apertei a campainha. Um sujeitinho magro abriu. Vim buscar o dinheiro do Nicolau, eu disse. O sujeito ameaçou um riso esquálido e gritou pra dentro: Oh patrão, ele veio buscar o dinheiro do Nicolau! Riram. Ouvi alguém dizer: Fale pro Nicolau vir chupar meu pau. Riram mais. Então, empurrei o sujeitinho e fui entrando, o revólver cuspindo fogo. Pac-pac-pac. Três tombaram mortos sobre as poltronas. Sobre a mesa, garrafa de uísque, copos e pedras de crack e papelotes de cocaína, e maços de dinheiro. Coloquei, apressadamente, os maços de dinheiro numa sacola, desordenadamente, e fugi. Estava nervoso. Queria rir, mas não conseguia. Sentia a mortadela, o pão e a cerveja na garganta e na boca e nas tripas. O ar quente e úmido de fevereiro pesava sobre as ruas desertas. Com certeza, choveria. Estava ali pra vê-la. Desgraçada. O coração começou a dar murros no peito.