Ainda não deixo de me assustar quando de repente, na rua, alguém atrás de mim inicia uma conversa no celular. Olho para trás: será que é comigo? Ou ainda me sinto “aperreado” quando em um local público tenho que ouvir a conversa de fulana com a cabeleireira, ou do sicrano com o encanador. Mas isso deve ser excelente para os fofoqueiros, curiosos da vida alheia.
A primeira vez que ouvi falar de telefone celular foi na ocasião do impeachement do Collor. Eu me encontrava em Brasília, juntamente com a multidão diante do prédio do Congresso Nacional aguardando o resultado da votação. Dizia-se que o então presidente acompanhava os resultados de casa, ao celular, por intermédio de sua “tropa de choque”. Celular? Que diabos era isso?
Posso dizer que participei de um momento histórico: não o impeachement (pelas dimensões da corrupção atual, acho que devíamos pedir perdão ao Collor), mas o aparecimento do vovô celular.
No começo, esse aparelhinho servia apenas para falar; era uma comodidade da elite, mais uma demonstração de status. Como é natural, com a produção em massa passou a ser objeto vulgarizado. Difícil encontrar operário, servente de obras ou diarista que não o possua. Em qualquer lugar, no ônibus, no restaurante, no supermercado, as pessoas sentiam-se na obrigação de ligar para alguém. Algo como: “Benhê, o preço do chuchu baixou”... “Benedita, já deu comida pra cadelinha?”
Hoje é um objeto que faz parte dos apetrechos que as moças carregam, assim como o batom, o pente, a pílula, o absorvente e outros. Bebês já nascem cutucando a telinha; para dar às crianças noção de espaço, basta dizer que o lado esquerdo é o da mão que carrega o celular. Mas é bem capaz de haver ainda aquela velhinha, surda, de frágil memória, que se assusta diante de uma estrovenga de tal natureza.
O aparelhinho serve ainda para falar, mas essa função tende a ser esquecida por tantas outras inovações que a ele se agregaram, e que não é necessário citar. Só falta, se ainda não o fizeram, usá-lo como controle remoto do carro, da televisão, da porta do apartamento e mesmo para chamar o elevador. Para ligar para casa, acho que vamos voltar ao cartão telefônico.
O que ficou prejudicado com essas inovações tecnológicas foi o simples ato de conversar. Aquilo de estar uma pessoa diante da outra, uma falando, outra respondendo, lembram?