Sei que não temos nada e nunca teremos. Mas você me pede pra listar os meus desejos. Aqui seguem:
Fazer piquenique na beira do rio Ivaí, dormir em seus braços fortes de boia-fria cortador de cana, comer filé duplo e minhão e pêssegos amarelos nos domingos em vez de feijão-arroz-macarrão, fazer as unhas dos pés e das mãos toda semana (porque, dizem, mulher com unhas sujas e rachadas tem a xoxota suja), estender a roupa num varal de arame liso, porque o farpado rasga a roupa e arranha os dedos, comprar sapatos de salto alto, como as atrizes de novelas, comprar meias finas para esconder as varizes, comprar calcinhas novas com rendas (as minhas estão furadas; Deus me livre se eu morrer e todos virem elas furadas), escovar os dentes com boa pasta, porque a cinza do fogão deixa um gosto de cabo de guarda-chuva na boca; não deixar você ir no boteco todos os dias, porque o cheiro de cachaça em teu suor me enjoa, ler o jornal da cidade aos domingos tomando uma xícara de café com leite bem quente, comprar uma revista da moda pra ver que vestido devo usar, não ir mais, todo mês, na casa de seus pais, porque eles reclamam demais e sinto que tua mãe quer me esganar, porque não temos filhos (ela vive dizendo que uma figueira seca!), dormir em outro quarto, se a gente tivesse dois quartos e não essa meia-água caindo aos pedaços, tapar sua boca quando você ronca igual locomotiva, ir ao zoológico pra ver e brincar com os macacos, porque eles se parecem com a gente, tomar vinho aos domingos à tarde e comer pipoca e pé-de-moleque, enquanto você assiste o jogo do timão, parar de fumar porque isso está me deixando com um chiadinho no peito, pedir pra você fazer carinho antes de me possuir abruptamente, ganhar de você no jogo de dominó, ir nos bailes aos sábados (você sabe que eu gosto demais de vaneirão), vender essa meia-água e comprar uma casa com varanda com vista para o campo cheio de vacas, ir no mercado e encher o carrinho sem se preocupar com os preços e as marcas, não morar nesta favela onde a miséria só aumenta, comprar um Cadillac amarelo, nem que seja de várias mãos e passear pela cidade, ter gatos, cachorros, papagaios, canários bem-tratados, ficar numa rede balançando em vez de me acabar como diarista limpando a sujeira dos ricos, ter um ferro novo de passar roupa e jogar o velho pela janela, me embebedar de vez em quando e mandar todo-mundo pro inferno, queria comprar frango no supermercado e jamais matar galinhas vivas, comer chocolate na Páscoa, peru no Natal, ter um celular pra ficar mandando mensagens pra cá, pra lá, mas, no fundo mesmo, eu não quero ser pobre de Jó, porque pra nós, os pobres, poeira é roupa; ah, ia-me esquecendo: queria casar com você, amor de minha vida, com vestido de noiva e grinalda, com buquê de rosas vermelhas.
Isso é só uma parte.