terça-feira, 16 de junho de 2020

Hilton Görresen em Rapaz tímido

– Eurides, mande entrar o primeiro candidato.
E o cara entrou na sala, cabisbaixo.
– Seu nome? 
– Onésimo!
– Desculpe, meu jovem, mandei entrar o primeiro, não o onésimo. Ô Eurides!
– Meu nome é Onésimo – falou o rapaz, ficando vermelho.
– Ah, bom! Tá bem, Eurides, não foi nada. Como o senhor deve saber, estamos selecionando candidatos para participar de uma peça teatral. Precisamos preencher um personagem, o rapaz tímido. O senhor é tímido?
– Não sei. – disse o rapaz, corando novamente. Mas dizem que sou um bocado envergonhado.
O entrevistador dá uma boa mirada no rapaz. Analisa seu jeitão de magro, seu olhar fugidio: O senhor tem alguma experiência de interpretação?
– Só quando era menor. Participei de um “boi de mamão”, o senhor conhece? 
– Está bom. Vamos adiante. Tem um grupo querendo montar uma peça, “É morrendo que se vive”, ou “É vivendo que se morre”, não me lembro bem. Não sou especialista no assunto, estou aqui só fazendo um bico. Vamos ver a próxima pergunta... (dá uma olhada no roteiro da entrevista) por que deseja trabalhar em teatro?
– Bem, o senhor viu como sou envergonhado. Meu pai sempre dizia que a melhor coisa para vencer a vergonha era fazer teatro. Agora surgiu uma oportunidade.
– Preciso ter certeza de que você é mesmo tímido. Vamos fazer um pequeno teste, um faz de conta. Você está no cenário de um quarto: cama, bidê, guarda-roupa. Sentada na cama, a Débora Secco, digo, a Bruna Surfistinha. Ela dá uma cruzada de pernas e lhe faz um sinalzinho com a mão e os olhos. O que você faz?
– Corro para trás do guarda-roupa.
O entrevistador estuda novamente o roteiro. Essa resposta não consta das opções admitidas. 
– Você não é... como direi?? – será que a lei contra homofobia já está valendo? – você não é delicadinho, é?
– Não senhor, isso não!
– Pois é, o que queremos é um rapaz tímido e não um rapaz delicado.
Pede um momento e vai palestrar com Eurides. Quando volta, está satisfeito.
– Parabéns, você está aprovado para o papel.
– Que ótimo. Tive o atrevimento de achar que ia conseguir. Só quero ver a cara dos colegas quando me virem no palco.
– E quem falou que vai entrar no palco? Aqui está escrito: a heroína chama o rapaz tímido – Ó, Osmar Eugênio! Uma voz responde em “off” – Humm?
– Só isso? É essa a minha participação na peça?
– É isso mesmo. Aliás, você nem precisa estar lá. Pode ficar em casa mesmo.