Dois velhos amigos conversavam, insatisfeitos.
– É muito esquisito mesmo como o mundo se esquece das pessoas e de coisas que aconteceram ontem ou anteontem. Desconfio que é uma doença contagiosa essa forma de esquecer.
– Somos latinos.
– Sim, e daí?
– Preferimos a fala, o momento, o que está acontecendo agora. Somos um povo por demais falante. Não gostamos de escrever, muito menos de ler. Um fato sobrepõe-se a outro. Quase tudo, imediatamente, torna-se passado. Ficamos ansiosos por novos acontecimentos, escravos da mídia, do Facebook, do Instagram, dos celulares. Clímax sobre clímax. Mas não nos lembramos do que aconteceu ontem, anteontem. Já percebeu como ladrões de ontem são facilmente considerados santos ou salvadores da Pátria hoje? Isso é doença contagiosa.
– Os velhos podiam contar a história aos novos.
– Poderiam, mas os novos não querem ouvir. Já se acham contaminados por essa doença...
– Bem, restam as histórias contadas nos livros...
– Em geral, esses livros foram encomendados por ditadores, tanto da direita como da esquerda, os vencedores, os donos da força. Os vencidos não conseguem contar sua história. O ladrão de hoje é o herói de amanhã. Mas não se preocupe, quase ninguém lê mesmo.
– Ah, os museus... Lá, está a memória.
– Sim, os museus... Parece que, neste país, alguém sem memória é mais feliz. Toda essa gente se interessa pelo imediato. Dias depois, já não se importam mais. Poucos se lembram, por exemplo, em quem votou na eleição passada.
– Parece que esta terra foi amaldiçoada com uma névoa do esquecimento. Esquecemos como parvos até coisas que aconteceram ontem. Sofremos da síndrome da mula-sem-cabeça.
– ?!...
– Temos cabeça, mas é o corpo que pensa. Nossa terra é boa, não há grandes epidemias, nem catástrofes, mas não lembramos do que aconteceu ontem. Vivemos do imediato, do clímax sobre clímax.
A conversa se alongou. Horas depois, já não se lembravam do que haviam dito.