Dizia enfaticamente a professora:
Meninos, o maior respeito que alguém pode obter é pelo seu nome e seu corpo. O nome é sagrado. Ninguém pode ficar nomeando as pessoas por nomes chulos. Quando se nasce, o primeiro presente é o nome e, ao ser nomeado, recebe o cálice sagrado.
A princípio, os alunos prestaram atenção. Aos poucos, entediaram-se, e as palavras da professora soavam distantes.
Leva-se uma vida toda para fazer um bom nome. Toda uma existência. Para arranhá-lo, destruí-lo, basta apenas um segundo.
Os alunos, de olhos baixos e enviesados, miravam o Tampinha, o Perneta, o Gambá, o Cisquinho, o Garnizé, o Pateta, o Pelé... Tinham vontade de rir, mas não ousavam. O discurso da professora os solava como relho.
Muito menos – continuava a professora, um tanto zangada – zombar do corpo em que habitamos, pois ele é nossa morada. Devemos ter respeito à casa que o Senhor nos deu, seja ela de um jeito ou doutro.
Os alunos miravam o Perneta, a Manquinha e, por final, o Joel, o menino que não tinha umbigo. Joel estava de cabeça baixa, como se recebesse saraivadas de espinhos. Sabia que o miravam e tinham vontade de jogá-lo na lama.
Já dizia o filósofo Benjamin Disraeli: “O maior bem que podemos fazer a uma pessoa não é apenas partilhar nossa riqueza com ela, mas levá-la a descobrir a própria riqueza.” Pois bem, nesta sala, de hoje e para sempre, o respeito ao nome e ao corpo, será nosso mantra. Quem não respeitar, não fará parte deste colégio.
Os alunos entreolhavam-se com olhares baixos e penetrantes, Joel sentia-os como agulhadas nos nervos. Poderiam não dizer que ele não tinha umbigo, mas os olhares diziam por si. Odeio essa gente – gemia, cerrando os dentes. Ah, Deus, me tire daqui. Para se livrar disso, viajava a Marte e, novamente, a menina peluda, que também não tinha umbigo, o conduzia por montanhas e crateras áridas. Então, não ouvia o que a professora dizia.
Nada de tratamento e conversa perversa. Respeito ao nome, respeito ao corpo. Já dizia Goethe: “Trate um ser humano tal como ele é, e ele continuará como é. Trate-o como ele pode ser e deve ser, e ele se tornará como pode e deve ser.” Porque, caros alunos, o que conta é a beleza interior. Nenhum de nós será avaliado por nossa aparência e pelo pote de ouro. Cada qual tem uma estrela que brilha e influencia significativamente a presença física e dá nova luz aos olhos.
Os alunos saíram no corredor e o alarido explodiu. Joel permaneceu sentado, alheio, como se vivesse noutro planeta.
. . .
Acorda, Joel! O que você fez?
Nada.
Amasso pão como escrava. Olhe minhas mãos. Minhas munhecas! Estão inchadas. Estão duras. Doem pra valer. E você parece uma lesma. Vi luz acesa no seu quarto durante a noite inteira. O que anda aprontando? Deve ser o maldito telescópio. Ai, minha Virgem, por que te dei o telescópio?
Foi o melhor presente, mãe. Deixa eu me divertir, espiando estrelas. Foi pra isso que me deu, não foi?
Mas não foi pra você ficar igual zumbi durante o dia. Estou precisando de ajuda na padaria. Bem que você poderia, depois das aulas, ficar no caixa ou arrumando as prateleiras, repondo, conferindo.
Se quer assim, eu vou.
A gente não vive de vento e muito menos de espiar estrelas. Entre o pão e o sonho, fique com o pão.
A mãe tinha razão. Precisava ajudá-la. As munhecas dela estavam inchadas.
Ah, mas como deixar as estrelas? Brilhavam intensas e diziam coisas para ele, sussurrando, instigando. O ser humano comum sequer olhava-as. Vivia enfiado em seu mundinho, rastejando. Só de pensar que elas eram cem vezes maiores do que a Terra... O homem, da imensidão do Universo, o que era? Verme miserável e nada mais. Sim, um verme. Tantas coisas haviam sido descobertas: o telégrafo, o motor a vapor, a televisão, a internet... Sim, tantas coisas, e mais descobertas surgiriam. Mas, quando se olha o Universo, é preciso reconhecer que nada somos.
Sim, mãe, depois das aulas eu irei trabalhar.
Mas não deixaria de olhar a noite agitada, luminosa, debruçado sobre o telescópio. Percebia a grandeza da criação e a pequenez do homem.