O casal de fazendeiros saiu apressado e nervoso para um jantar. Naquela noite, o governador visitava o Distrito e só pessoas ilustres foram convidadas.
No casarão, ficaram o gato e o cachorro. Há tempo, ambos cultivavam uma intriga absurda. A sós, o rancor veio à tona, como brasas vivas sob cinza.
– Veja só – atiçou o gato, abrindo a discussão vã, antes de sair, a patroa me pegou no colo, me acariciou como se fosse filho predileto. Pra você, nem olhou!
O cachorro, estirado sobre o tapete, não abriu os olhos. Almejava uma soneca tranquila. Mas o gato não se contentou com tamanha indiferença.
– Está na hora de descobrir quem é o senhor desta casa!
– Ora, deixe pra lá! Essas coisas não levam a nada. Quero descansar... Há espaço para todos.
– Espaço? Inteligência e saco de pulgas não podem conviver.
– Inteligência?
– Eu sou muito inteligente e limpo. Você nunca me viu sujo, enlameado, e me deito no colo da madame e ela me acaricia, até cantigas de ninar eu ouço. Mas você! Olhe bem: um cão maltrapilho, sempre enxotado com pé no traseiro. Por qualquer chuvinha exala um fedor que ninguém aguenta.
– Ah, por que tanta amargura? Vivo alegre, nada me falta.
– Baixa felicidade! Dorme no chão e lá fora. Eu, não. Passo horas inteiras na cama da madame, sobre colcha de cetim. Pra você, nem colcha de retalhos.
– Vigio a casa. Fico de sentinela. Que faria você se um ladrão aqui entrasse? Com toda sua inteligência, estaria dormindo sobre a colcha de cetim.
– Sou caçador de ratos. Não vigio a casa. Se me expulsarem desta casa, arrumo outra. Sem teto eu não fico.
– Me diga, então, por que há tantos ratões peludos andando pela casa durante a noite?
– Não permito ofensa! – o gato, arrepiando-se, tornou-se agressivo. – Coloque-se em seu lugar. Você vive lambendo as botas do patrão por míseros ossos. Eu, não. Quem primeiro almoça? Eu como bem antes dos donos. Se não me dão comida antes, faço uma miação dos diabos. Você, pobre cachorro, só recebe os restos do banquete, se houver. Ainda fica pulando de contente e lambendo os beiços!
– Faço isto porque tenho entusiasmo. Não deixo qualquer desgosto me tirar o bom humor.
– É falta de caráter e de imaginação. Viver abanando o rabo e latindo bobamente. O patrão lhe dá um pontapé, foge agachado, o rabo no meio das pernas. Em seguida, lhe faz um sinal, lá vem correndo, saltitante, como se nada tivesse ocorrido.
– Sou cheio de entusiasmo. Pra que guardar rancor? Vivo e respiro o meu entusiasmo. Aqueles que me dizem que não posso fazer quase sempre são medíocres no que toca às realizações. Acho a minha vida de cachorro estimulante, compensadora e digna de ser vivida. A cada dia, olho para a frente e encaro o convívio com os meus donos como aventuras que devem ser completamente vividas.
– Você é um idiota.
– Bem, não tenho a sua grande inteligência – respondeu mais uma vez o cachorro. – Mas, com meu entusiasmo, consigo mais coisas. O entusiasmo faz a diferença. Grandes ideias, sem entusiasmo, pouco valem. Nunca vi os nossos donos trazendo dos jantares festivos uma porção de deliciosos ossos para você. Mas trazem pra mim. Sabe por quê? Eu sempre vou recebê-los com entusiasmo. Tanto faz se é um belo dia de sol ou se é uma noite com relâmpagos e trovões.
– Que me importa! Jamais comerei restos de duvidosos restaurantes.
– Tenho certeza de que nunca comerá. Eles nem mesmo se lembram de você, embora seja muito inteligente.
O gato, muito chateado, recolheu-se sobre a colcha de cetim, pensando: “Ora, que cachorro medíocre e ordinário...”
Naquela noite, quase de madrugada, quando o casal retornava do disputado jantar com o governador, o cachorro correu entusiasmado ao encontro. Recebeu, em seguida, uma porção generosa de deliciosos ossos e pedaços de mignon. O gato, enraivecido e cheio de inveja, não conseguia pegar no sono.