Saqueava corações e contas bancárias.
Conhecia seu alvo: mulheres ricas, divorciadas, solteironas ou viúvas abonadas. Tiro certo. Nada a esmo. Não gastava velas com outro tipo. Especializava-se. Se perdesse o alvo, tombaria na batalha do amor.
O detetive Deodoro, o Deodorim, um baixote de pernas curtas arqueadas, cabeça enterrada no tórax, quase anão, investigava-o há meses, contratado. Rondava-o, vigiava-o, compartilhava sua amizade.
Dizia-se fazendeiro em Goiás e Rondônia; dizia-se dono de empresas diversas, têxtil, informática e metalúrgica, em Joinville; dizia-se amante de boa música, de Noel Rosa a Mozart; dizia-se escritor, versejador e declamador, de Castro Alves a Vinícius de Morais.
Vestia-se bem, terno e gravata, sempre novos e bem-cuidados. Voz macia, cadenciada, canto de sereia, empoderada. Qual mulher carente de afeto não se dobraria diante de um príncipe encantado de meia-idade?
Este tipo de gente aproveitadora sempre existiu – raciocinava Deodorim. Já tivera casos parecidos. Mas a internet ampliara as possibilidades. Escolhia as vítimas pelos sites de relacionamento. Depois agia. Sem piedade.
Mariana divorciara-se. Feridas abertas. Anos confiando no casamento eterno. De repente, o eterno se fez em pedaços. Amealhara, entretanto, a metade da fortuna do ex-marido. Tinha o suficiente, e até sobrava, para viver até o fim.
Morava na mansão. Os dois filhos estudavam na Inglaterra e, dificilmente, voltariam ao Brasil. Achava-se perdida na quietude da bela mansão. Passara dos sessenta anos, e já arranhava os setenta. Sofria de reumatismo e dava passinhos curtos, como se pensasse a cada tentativa, apoiada numa bengala que ela não mostrava a ninguém. Estava um pouco esquecida. Sempre que visitava as amigas, esquecia alguma coisa: a bolsa, os óculos, os recados. Mudava a cor do cabelo: pintava de vermelho, rosa e preto. Passava ruge nas faces enrugadas e exagerava no rímel. Pintava as unhas de acordo com a cor do cabelo. Não usava blusa decotada para não mostrar o pescoço que parecia o de uma galinha depenada. As pernas – Deus, as varizes se multiplicando.
Vivia só – a questão. Solidão corrói como soda. Cheia de passado amargo. O ex vivia passarinhando moças bonitas. Ela, enfiada naquela mansão, passava o tempo navegando na internet. Foi assim que caiu nas graças do príncipe de meia-idade, o Brandão. Uma abelha experiente mas solitária no prato de melado.
Ah, quem diz que o amor morre na velhice? Mariana viu o fogo da paixão tardia queimar dentro do peito. Renovou-se. Fez cirurgias plásticas no rosto, nos seios, nas pernas. Tinha dinheiro. O que o amor não faz?
Viagens ao Caribe, à Europa, ao Nordeste. Que homem! Viviam como beija-flor. Diante das amigas, ela se gabava:
– Quero sugar o néctar até a última gota – e ria gostosamente.
Até que ele se queixou que estava sem crédito. Uma dívida na fazenda de Goiás o consumia, juros de bancos assassinos. Podia usar os cartões dela? Por que não tinham uma conta em conjunto? Precisava de cem mil, senão o juiz o prenderia. Pedidos tão doces, logo após os gozos. Quem não socorreria um príncipe de meia-idade prestes a rolar da ribanceira?
Tudo tão rápido. Então, ele fez uma viagem longa e não voltou. Esperava-o, ansiosa. Anunciou seu desaparecimento na internet. Foi, então, que outras vítimas surgiram, procurando o mesmo homem. Restavam a decepção, o ódio de si mesma, e as dívidas. Na delegacia, a lista das vítimas espalhadas pelo país.
Deodorim, o detetive quase-anão, demorou para achá-lo. Seguia-o pelos sites. Hackeava o Facebook, o Instagram, os e-mails. Mudava sempre de nome. Mas o estilo era o mesmo. Os alvos eram os mesmos.
Os dois estavam no bar, em Quadrínculo. O alvo: uma senhora que enviuvara há dois anos, podre de rica, inconsolavelmente só.
Estava diante dele, o príncipe que enfeitiçava as senhoras abonadas. Um senhor de respeito, memorável. Podia ser um embaixador, um senador, um cidadão de respeito. Deodorim, após bebericar e apreciar a majestade, foi à Delegacia e o denunciou. Não houve resistência. Brotava dos lábios do príncipe um sorriso irônico e piedoso.
Ali terminava o seu serviço.
Mariana o pagou, emudecida. Deodorim dedicou-se a outros pequenos casos, sem brilho. O que recebera dava para viver modestamente por algum tempo.
Uma notícia o deixou perplexo: o príncipe de meia-idade estava solto. Alguém havia pago a soltura. Mas, quem? Mais perplexo ficou quando soube. Mariana arcara com as despesas e pagara a fiança. Procurou-os. Estavam no Caribe, renovando os votos de amor eterno.
– Esses saqueadores de corações e contas bancárias – resmungou, azedo.