Esses dias, numa conversa, alguém recordou os constantes anúncios sobre o final do mundo. Eu prefiro me assustar mais é com o final do mês. Mas, inevitavelmente, me lembrei de uma dessas ameaças de Apocalipse, no começo da década de 1960. Eu era aluno do antigo Ginásio Santa Catarina. Muitos não se lembram disso, mas me ficou nítido na memória.
Não sei como se espalhou a notícia, não havia televisão naquele tempo, certamente foi coisa do “Repórter Esso”.
Naquele dia, as igrejinhas de beira de estrada se encheram de fiéis, confessando pela última vez os pecados, mesmo aqueles inconfessáveis.
Os “pés de cana” da cidade foram desde cedo tomar a saideira, a última mesmo, mas os donos de boteco, por motivos óbvios, não admitiram pendurar a conta, queriam receber pagamento no ato. Bebeu, pagou!
Ali pelas três horas da tarde o céu começou a ficar escuro, nuvens pesadas se acumularam. O diretor dispensou as aulas. Alunos zanzavam para todos os lados, com negros pensamentos na cabeça. Outros estavam parados, rezando.
O tímido Boanerges, desprezado pelas meninas, não quis ir ao Juízo Final sem satisfazer o desejo de beijar as mais bonitas (seu nome foi trocado, eu sempre quis a oportunidade de usar o nome Boanerges). Saiu agarrando as coitadas, que, preocupadas com o terrível evento, não pensavam em resistir; aliás, acho que nem notaram que estavam sendo beijadas. Pelo menos um iria morrer feliz.
Um conhecido aproveitou o momento para se desforrar de um insulto recebido do filho do vizinho. Foi lá e paf! Aplicou um bofetão no garoto, de deixar a cara inchada.
– Pega, moleque! Eu falei que a última coisa que ia fazer na vida era te partir a cara.
O tempo escureceu mais. Era um dos vaticínios do Apocalipse: o céu se tornará negro. No ar rolava um ronco soturno. Eu era dos mais descrentes – por que Deus iria acabar a droga do mundo sem ao menos mandar uma equipe de anjos para salvar os bons, entre os quais eu me incluía? Mas já estava começando a me preocupar. Via as gurias mais desejáveis desesperadas, algumas nem notavam estar de blusas abertas ou com as pernas à mostra, e não podia evitar pecar em pensamentos. Era inferno na certa.
Não havia celular para se comunicar com os pais; o Maracangalha, nosso ônibus escolar, só viria mais tarde. Se viesse.
Mas, gozado: uma nesga azul começou a se infiltrar entre as nuvens. O vento afastava as nuvens carregadas. Nem chegou a chover. Era esse o fim do mundo?
Aqueles que rezaram e confessaram os pecados não tiveram prejuízos. Agora, imaginem a situação do Boanerges depois dessa.