– Que dia do mês é hoje?
O menino olhou o pai cheio de dúvidas. Fez cálculos, franzindo a testa diante de um problema difícil.
– Hoje é dia 10 – disse o pai, a voz baixa, pesarosa.
O filho ficou apreensivo. Tinha apenas quatro anos. Se o pai sabia a resposta, por que, então, perguntara? De repente, surgiu-lhe a imagem da mãe: no fogão mexendo as panelas; no pátio, estendendo a roupa no varal; na igreja, ajoelhada, orando...
– Faz hoje exatamente 2 anos – prosseguiu o pai, as mãos sobre a mesa, nervosas. – Que ela foi pro céu.
O menino esmagou os miolos de pão que se achavam sobre a mesa. Compreendera, enfim, o que o pai queria dizer. Então, a imagem da mãe tornou-se mais viva. O que estaria ela fazendo no céu naquele momento?
– O dia 10 de cada mês deve ser pra nós um dia sagrado. Um dia santo.
Sim, devia. Moveu a cabeça, concordando. Depois, desviou os olhos. O pai esfregava as mãos nervosas. Chorava? Em seguida, ensimesmou-se num mundo de silêncio e o menino se perguntava: por que ele tinha que dizer tais coisas? Encabulado, não sabia para onde olhar.
À mercê do mundo – ouviu o pai resmungar. Parecia reduzido a nada mais do que uma casca seca, uma vargem morta, o miolo trevoso feito de cansaço e negação. O menino bocejou. A mãe mexia as panelas no fogão e, de vez em quando, o olhava carinhosamente. Cabeceou e dormiu sobre os braços cruzados. O pai carregou-o até à cama, cobriu-o e ficou olhando a figura angelical. Deus!, se ela estivesse aqui... Nada disso estaria acontecendo. Em seguida, deixou o quarto, passou pela sala e foi subindo a escada, degrau a degrau, como se fosse um peso morto. Da rua deserta e semiescura, um roído de cascos de cavalo aproximou-se e depois se afastou noite afora. O silêncio novamente o envolveu. O silêncio de sua solidão, como se ele estivesse no silêncio do túmulo dela. Ouvia o coração bater. Ao entrar no quarto, viu a sua própria imagem no espelho do toucador o encarando, pálido.
– O que será dele? Amanhã...
Tudo estava no lugar de costume: as escovas, os sapatos, o porta-alfinetes, os vidros de perfume, o porta-brincos, sabonetes. Na cama, o edredom cor-de-rosa, os travesseiros bem juntinhos e, acima deles, na parede, a fotografia dela abraçada com ele, sorridente. Haviam tirado a foto numa viagem às Cataratas do Iguaçu. Trêmulo, voltando-se, tornou a ver-se, de corpo inteiro, no espelho do guarda-roupa. Abriu-o. De chofre, respirou o ar da presença dela, o perfume dela impregnado nos vestidos, nas langerries, nas blusas. Ficou a olhar, um por um, os vestidos: um marfim-palha, outro azul, um rosa-pálido, um preto. Este ela usou no dia de sua morte... Era como se ela tivesse morrido dezenas de vezes e dezenas tivesse voltado para ocupar seus vestidos, renovando-se também nos perfumes. Tocava os tecidos e o perfume se desprendia. Fechou os olhos. Sim, ela continuava ali, vivíssima.
– O que será dele?
Nenhuma resposta. Por que não contara? Só o silêncio da noite: o silêncio do túmulo dela. Por quê? Por quê? Amor, espera lá por mim.
A dor fez-lhe brotar lágrimas nas pálpebras cerradas. Fechou a porta do guarda-roupa, afastou-se e começou a despir-se. Estava cansado, abatido. A cena se repetia à exaustão: vinham da festa, dirigia o automóvel, chovia, os faróis brilhavam nas gotículas obliquas, carros e caminhões vinham ao encontro e desapareciam na escuridão. Falta muito pra chegar, amor? Quase estamos lá, responde. Tenho a impressão que não chega nunca, ela disse. Estou morta de sono. De repente, os faróis de um caminhão. A batida. Tudo some. No hospital, quando acordou, a notícia: ela havia morrido.
– O que será dele? Pobrezinho...
Adormeceu quase imediatamente. De manhã, acordou sobressaltado com as batidas na porta. Eram dois oficiais. Tinham vindo buscar o menino. Mostravam, respeitosos, a ordem do juiz. Na rua, lá estava a sogra esperando, dentro do carro. É pro bem dele, dizia um dos oficiais. Um homem só e tão ocupado como o senhor...
O menino, no quartinho, dormia e sonhava. Andava por um longo corredor cheio de portas, que se trancavam secamente quando ele se aproximava. Distante, ouvia o pai dizendo: um dia santo, um dia pra se guardar.