Ao meu avô Marino
Neste momento, sou uma contradição. Ao mesmo tempo que desejo muito escrever essa crônica, sinto que seu tema me dói. Machuca. Por que é tão sofrido falar de quem não está mais aqui?
Das muitas coisas que me lembro do meu avô Marino, uma não me sai da cabeça. Desde que eu era criança, sempre soube que ele tinha um grande sonho: viajar de avião. Lembro-me de uma tarde, embaixo do pé de manga em frente à sua casa, quando ele reafirmou que era, mesmo, um sonho de longa data. “Imagina o quanto deve ser lindo ver o mundo lá de cima das nuvens, fia…” Seus olhos brilhavam mais do bola de gude a rolar sob o sol por cima da terra vermelha.
Não convivi muito com meu avô. O sonho das oportunidades na cidade grande trouxeram meus pais para longe do seio da família. Mais de seiscentos quilômetros sempre nos mantiveram afastados, exceto nas épocas em que os feriados eram longos o bastante para comportar uma viagem de tantas horas. Só que distância nenhuma é capaz de apagar memórias afetivas. Meu avô tinha um físico invejável, com direito à barriga de gominhos e tudo. Não negava suas origens italianas, com sua voz baixa e grave como Don Corleone, sem se esquecer do bigodinho fino sobre o lábio superior. Cheio de manias, não comia óleo de soja, nem cebola ou alho. O café era comprado em grãos, torrado em casa numa caçarola que fazia minha alegria na infância e moído num moedor manual afixado na parede, ao lado da porta da cozinha. Quase posso sentir o cheirinho único do café que ele pedia à minha avó se juntando ao aroma do pão caseiro que assava no forno a lenha no quintal…
O que fica de nós quando não mais estamos aqui? Meu avô se foi no último domingo. Não fui despedir-me dele, porque minha saúde não anda das melhores. Mas a culpa de não ter ido me acompanha esses dias, martelando-me memórias desgastadas pelo tempo, assim como a ideia do sonho que meu avô não realizou. Morreu sem subir num avião, mas espero que agora esteja lá, por cima das nuvens, realizando seu sonho de olhar aqui para baixo com olhos de criança a descobrir o mundo.