segunda-feira, 2 de setembro de 2019

Entre direitos e omeletes por João Marcos Buch

Nesta manhã de sábado, em viagem fora de SC, estava eu com mais algumas pessoas numa agradável padaria, em uma mesa recém desocupada e que precisava ser arrumada. Logo o atendente chegou, um rapaz magrelo e de barbicha, trajando um avental preto e bandana. Ele anotou os pedidos e começou a tirar as xícaras e pires usados. Ouvindo nossa conversa sobre justiça, prisões e o papel do juiz nisso tudo, o jovem parou o que fazia e curioso perguntou para mim com o que eu trabalhava. Respondi que eu era juiz. Então ele disse que estava no primeiro ano da faculdade de direito e muito interessado no assunto começou a me questionar sobre a justiça. A conversa não foi exatamente na lógica que narrarei a seguir, mas foi nesse contexto.

- Mas por que o juiz não combate o crime? - Com o pano de prato no antebraço e uma xícara na mão, o rapaz me olhava com atenção.
- Porque o juiz julga, conforme as leis e a Constituição - respondi com gosto, especialmente por se tratar de um estudante de direito, que precisava de vez compreender a importância do respeito às normas.
- Mas então juiz não pode sair por aí prendendo corruptos?
- Não, o juiz decide os pedidos do Ministério Público e conforme as leis e a Constituição pode mandar prender alguém, mas ele não é xerife, nem justiceiro - enfatizei a questão das leis e da Constituição.
- Mas para fazer um omelete é preciso quebrar as cascas dos ovos.

O jovem tinha um discurso pronto, entretanto como estava sendo cortês e demonstrava curiosidade eu mantive o diálogo com prazer.

- O fato é que não se trata de um omelete e as garantias constitucionais não são cascas de ovos, elas são a estrutura da nossa sociedade e da nossa civilidade. Se as quebrarmos, nada sobreviverá, nem eu, nem você, nem ninguém, muito menos o omelete vai existir. Talvez nem essa conversa que estamos tendo seria mais possível.
- Mas os corruptos quebram as cascas sem pena. 
- Porque eles são corruptos e, sim, devem pagar por isso, mas o juiz jamais poderá agir como eles, sob pena de destruir tudo que alcançamos até aqui. 
- Acho até que concordo - disse o rapaz numa entonação sincera.
- É preciso pensar, especialmente você que será um bacharel em direito. Se o estado e seus agentes não garantirem o respeito às leis e à Constituição, todos pagaremos por isso. 
- Vou pensar sim, obrigado doutor.

Sorri com o “doutor” e agradeci também. O rapaz era definitivamente um estudante que já começava a pensar melhor sobre as coisas que nos cercam e nos afetam. Ele terminou a arrumação e se foi, levando embora com destreza todos os apetrechos usados.

Se tivermos boa vontade e respeito, se não nos deixarmos seduzir pelo discurso do ódio, se tivermos mais diálogos como esse da padaria, talvez nem tudo esteja perdido, talvez finalmente aprendamos que nem sempre os fins justificam os meios e que em termos de estado democrático de direito manter a casca do ovo intocável é a única forma de permitir que todos saboreiem o omelete.