sábado, 17 de março de 2018

"O mais feio da cidade" por Hilton Görresen

O sujeito tinha sido feio desde pequeno. Não sei se foi implicância do bom Deus ou se tinha puxado pelo ancestral macaco. Você, leitor, marque a sua opção. Não vou descrevê-lo. Só posso dizer que tinha a beleza física de Quasímodo (o corcundinha de Notre Dame) e bilau de deus grego. Imagine o sucesso se fosse o contrário. Namoradas? Nem pensar, a macaca Chita já era comprometida. Mas havia chegado o dia da vingança, de sua feiura ser admirada e ainda poder tirar o pé do lodo. A prefeitura de sua cidadezinha lançou um concurso para eleger a pessoa mais feia da cidade. Isso não foi sem segundas intenções: era preciso chamar a atenção sobre o município, já um pouco esquecido pelo governo do Estado. E, verdade seja dita, o que a cidade mais tinha era gente feia. Coisa do clima. Mas nosso amigo dava de dez a zero em qualquer um deles. E a prefeitura oferecia um prêmio de vinte mil reais ao vencedor, patrocínio das empresas da região. Afinal, sua “maldição de nascença”, como ele mesmo dizia, iria servir para alguma coisa. Foi fazer a inscrição. Os poucos amigos o incentivavam: – Vai lá, não vai ter pra ninguém. – Vai ser uma vitória merecidíssima. Está se vendo que os tais amigos aproveitavam a ocasião para externar, de tabela, sua opinião sobre a aparência do coitado. Formavam o corpo de jurados que ia escolher o vencedor duas proprietárias de salão de beleza, um artista plástico, um representante da prefeitura e um artista global convidado (que por enquanto fazia pequenos papéis, mas aceitava convites para desfiles, festas e aniversários). Agora eu pergunto: os jurados não deveriam ser pessoas especializadas em feiura? Minha escolha de jurados teria sido: Zé Esqueleto, o coveiro da cidade, a proprietária da boate Pouso do Urubu, e, como convidado especial da prefeitura, um cineasta de filmes “trash”. Quem sabe, o Zé do Caixão aceitaria um convite. Aguardou ansioso o dia do concurso. Quando chegou a hora, apresentou-se chiquérrimo de feio na passarela. Sua horripilância esnobava os outros candidatos. Foi aplaudido de pé. Mas o resultado foi uma decepção. O escolhido nem era feio, tinha apenas uns traços ásperos que até agradavam às mulheres. Mas era amigo dos jurados, militante do partido do prefeito. Quem sabe tenha rolado até uma comissãozinha. Desse jeito, em matéria de feiura, até o Brad Pitt passava a perna no Mick Jaeger. Mas sossegue, leitor, estas coisas não acontecem na vida real. Preciso acabar com essas invencionices.
(Crônica publicada no Jornal A Gazeta de SBS em 03/03/2018)