Depois de mais de 20 anos atuando em comércio exterior, Cláudia Merkle ousou mudar de vida
Ela hoje ganha a vida de uma forma muito doce:
tornou-se uma verdadeira artesã do açúcar, confeccionando delícias
Crédito: Rogério Souza Jr./ND
Quem nunca olhou pela janela do escritório e, em meio às tensões da vida corporativa, sonhou em abrir seu próprio negócio, ganhar a vida com algo que lhe dê muito prazer, ser senhor de seu próprio tempo? Formada em direito e em comércio exterior, com pós-graduação em logística empresarial, a joinvilense Cláudia Merkle há quase quatro anos deixou para trás a segurança ilusória da carteira assinada e está dando forma a esse desejo. Acreditou em um talento que vem de família, investiu em cursos de aperfeiçoamento e entrou de vez na cozinha, para se dedicar a uma nova atividade: a confeitaria artesanal.
Os doces fazem parte de sua trajetória há muito tempo. No início dos anos 90, com 23 anos e recém-formada em administração, já trabalhava na área de comércio exterior, mas decidiu abrir uma casa de chá no bairro Bom Retiro. Com a cara e a coragem, mas com poucos recursos, comprou cinco quilos de farinha de trigo, três quilos de açúcar, se uniu à mãe e ao noivo, contratou uma confeiteira e abriu o estabelecimento. Trabalhava durante o dia em sua área e à noite e aos fins de semana na casa de chá, de segunda a segunda, sem dia para descansar.
Foram cinco anos de atividades, até que a falta de capital de giro colocou um ponto final no empreendimento. Foi um golpe duro, difícil de absorver. “Encaixotar a louça foi como encaixotar um sonho, um projeto de vida. Naquele dia pensei: 'nunca mais vou trabalhar com isso'”.
Naquela época, os doces ficavam a cargo de mãe, Erika Merkle, e de uma profissional contratada. Um dia, porém, a confeiteira faltou. Apesar de ter crescido cercada pela mãe, as tias e a avó - todas cozinheiras de mão-cheia -, Cláudia não costumava fazer doces. “Minha mãe falava: ‘sai da cozinha que você não tem jeito para isso'. Mas a confeiteira nos deixou na mão e tive que fazer. Foi um exercício de superação”, lembra. O resultado foi surpreendente e ela descobriu um novo talento. “Vi como a Cláudia era prendada e tive que fechar a boca. Ela tinha um dom. Em um instante, fazia coisas muito melhores que eu”, conta Erika, a mãe.
O retorno à confeitaria começou com um revés. Em 2010, depois de anos em uma empresa, Cláudia foi demitida. Era recém-formada em direito, mas já tinha certeza de que não queria atuar na área. Era hora de repensar a vida, a carreira, o futuro. Um dia, pediu que a mãe lhe ensinasse a fazer strudel. Uma prima provou, adorou, e perguntou por que ela não vendia. E ela, que havia jurado nunca mais trabalhar na área, pensou na possibilidade. Nessa época, conheceu o Espaço Solidário, do Consulado da Mulher, e começou a participar. “Foi um teste para saber se era isso mesmo que eu queria.”
A experiência a agradou e ela decidiu investir em formação profissionalizante. Fez um curso técnico de um ano e meio no Senac e recentemente participou de um intensivo em São Paulo, na escola de Diego Lozano, um expoente da confeitaria nacional. E abriu a Fuxico Doce, apostando na Confeitaria Artesanal, onde tudo é feito à mão, sem produção em série, pela própria doceira/artesã.
Fácil não é. Ela sentiu de perto o preconceito e teve de rever os próprios conceitos. Um dia, um ex-frequentador de sua casa a viu de touca e avental no Espaço Solidário e fingiu que não a conhecia. Outros amigos ou parentes tentam levá-la para um emprego formal novamente. “A vida está me ensinando a ter paciência”, constata ela, que tem rotina pesada: trabalha de nove a 12 horas por dia, em pé na bancada, com forno quente por perto.
Mas os ganhos são muitos – alguns difíceis de mensurar. “O cansaço físico, uma noite bem dormida resolve. Aprendi a ter equilíbrio entre trabalho e a vida social. Posso pegar a filha na escola e ir ao cinema à tarde, fazer coisas que o trabalhador não faz na semana, e sacrificar o sábado para dar conta de tudo. Posso fazer meus horários”, revela, destacando que para essa nova forma de trabalhar e viver, a disciplina é fundamental.
Se esse é o final da história? Ainda não. “Não tem que ser para sempre. É enquanto ficar bem”, afirma.
Contato: https://www.facebook.com/pages/Fuxico-Doce. Telefone: 3422-6662
Por Maria Cristina Dias Dos Reis Lima (matéria publicada no Jornal Notícias do Dia em 10 de fevereiro de 2014)