sábado, 25 de julho de 2020

Querem abolir o palavrão - Hilton Görresen

É verdade, querem abolir o palavrão. Quem é esse maluco? Nada menos do que o professor Antonomásio, meu assessor para assuntos gramaticais. O ilustre mestre está preparando um projeto para moralizar nossa língua, excluindo dela todas as palavras chulas.

Como a maioria dos conservadores ingênuos, o mestre acha que pode, por um simples decreto, influenciar a linguagem do povo, fazê-lo transformar seus hábitos linguísticos, fazer com que rudes estivadores passem a expressar-se como as delicadas damas do século 19. Ignora também o valor psicológico do palavrão. Que melhor maneira de expelir a raiva ou a frustração do que um bom f.d.p!?

A intenção do professor, no entanto, não é original. No final do século 19 um célebre purista tentou repelir alguns estrangeirismos que se alojavam na língua, substituindo-os por outros termos, baseados no latim. Desse modo, futebol deveria virar “ludopédio”; abajur viraria “lucivelo”; piquenique seria “convescote”. Que horror, não? Nós, brasileiros, pentacampeões mundiais de ludopédio.

Um dos primeiros alvos do decreto, por favoritismo, será o já mencionado f.d.p. Além de extirpá-lo da língua, o digníssimo professor apresenta diversas sugestões para substituir seu significado. Vejam só: seu descendente de uma: a) marafona; b) hetaira; c) barregã.

Já imaginaram alguém, após acertar violenta martelada no dedão, exclamando pudicamente: descendente de uma hetaira! É de ficar marafona da vida. Com isso, pensa o professor fazer um grande bem á humanidade, retirando toda agressividade dos xingamentos. Como poderá alguém levar a sério quem assim se expressa: esperma, que fezes!

Numa só canetada, o ilustre professor pretende mandar para o valo toda a rica nomenclatura ligada aos órgãos sexuais. O prezado leitor não mais poderá referir-se ao seu miraculoso instrumento, sob pena de levar uma pesada multa. Será abolido também o termo “bicha”, pois é uma palavra que lembra aquelas minhoquinhas que expelimos do ventre. E “veado”, por estar ligado a um animal da fauna de outros países, o que pode ser classificado como um estrangeirismo. 

Não vou falar de outros prováveis sacrificados, de sentido mais pesado, em virtude da censura. Inclusive, deve ser criado o verbo flatular, com significado de soltar flatulências, ato que, aí sim, poderá ser praticado por gentis senhoritas diante de todos, sem ter do que se envergonhar. Não sei, não, mas acho que, com essas ideias malucas, o professor Antonomásio vai é se fu..., digo se copular.