Esses dias me perguntaram: qual o assunto que você mais entende? Pergunta difícil. Não tenho vergonha de dizer que, no fundo, não entendo profundamente de nada. Todas as coisas que li ou presenciei na vida foram depositadas num vazio da memória, onde ficam flutuando como um internauta solto no espaço. E não vêm à tona assim de improviso, num acionar de gatilho. É necessário buscá-las com reflexão, no espaço solitário de meu escritório. E assim mesmo, só consigo recuperar uma pequena percentagem.
Mas há um modo de responder à pergunta. Acho que sou especialista numa única coisa: em mim mesmo. Sei mais sobre mim do que qualquer outra pessoa. No dia em que minha vida for tema de vestibular, me chamem.
Só eu sei de minhas dificuldades e de minhas escassas vitórias; de minhas neuras e desencantos. De minhas contradições. Como todos os seres humanos, não sou nem bom nem mau. Há momentos, contextos. Há graus de indignação, pontos de fervura. Mas procurei sempre ser justo.
Para que tudo não seja tão fácil, coloco uma dúvida: será que me conheço mesmo tanto assim? Ou, expandindo a questão: será que alguém é capaz de se conhecer por completo? Será que sei de onde vêm meus medos, meus gostos, minhas indecisões (alguns dirão que é do signo astral); de onde esta timidez antiga?
Dizer que me conheço é não acreditar nas mudanças potenciais. Nas reações inesperadas. Como reagir diante das situações-limite, de um perigo, quando o corpo se inundar de adrenalina ou quando as pernas tremerem? Serei um herói, como os heróis de cinema, preservando a honra e a coragem? Terei serenidade para enfrentar certas situações?
A teoria literária chama de “personagens planas” aquelas que se comportam sempre do mesmo modo, de quem se podem esperar as mesmas reações, consideradas caricaturas de comportamentos universais, como a vaidade, a usura, a arrogância... E “personagens redondas” as que demonstram complexidade de atitudes, riqueza interior, vacilações e reviravoltas de comportamento, como o vilão capaz de um gesto nobre, o fraco que se revolta e enfrenta organizações poderosas.
No mundo real, as pessoas levam no íntimo uma motivação que as impulsiona e que pode reverter seus atos: um desejo, uma tara, uma inveja, uma frustração, algo tão íntimo, mas que pode vir à luz de repente, traduzido num ato contraditório e inexplicável.
Sendo assim, quem pode dizer que se conhece por inteiro? Você pode arriscar?