Um dos homens acotovelou-se no balcão ensebado do bar e riu constrangido, mostrando cinco dentes de ouro. Chamava Arnaldo. Estava bêbado e furioso. O outro – de bigode e sobrancelhas espessas – ouvia, ouvia, ouvia: quieto, também bêbado. De vez em quando levantava as mãos, impaciente, meneando a cabeça.
– Essas mulheres! – Arnaldo arrastava as palavras. – Estou velho mesmo! Mas a vaca não pode me destratar assim. Não sou um traste. Quando a gente se casa, é uma pombinha. Depois se transforma numa arara, trepando pelas paredes, falando, falando, a ponto de acabar com a vida de um homem. Ainda não nasceu quem possa entender as mulheres. Elas me tiram do sério. Por diversas vezes, acredite, já tive vontade de estourar os miolos. Ainda bem que pensei nos filhos e nos netinhos...
Tomou outra golada da branquinha. Perguntou:
– Tua mulher também é uma gralha?
– É, sim. Eu me tornei surdo. Já sou capaz de não ouvi-la. Quanto mais braba fica, falando, rosnando, gritando e me ameaçando, mais surdo fico.
– Ah, que beleza. Vou experimentar essa receita. Funciona?
– É claro. Mas tenho outras. Melhores. Tiro e queda.
– Então, diga. Quem sabe, consigo dominar aquela besta quadrada, e ter um pouco de sossego.
– Eu peido.
– O quê?!
– Eu peido. As mulheres não gostam de peido.
Arnaldo se abriu numa risada gostosa. Os cinco dentes de ouro brilharam. O amigo continuou:
– Mas tem arte no negócio. Quando a companheira está braba igual cascavel, o negócio é peidar e peidar. O dia todo. A noite toda. A qualquer momento. Bem na frente dela. E também na frente das visitas. Na frente do sogro, da sogra, da nora, do genro. Pra isso, você tem que descobrir que tipo de comida produz peido. Comigo, já sei. Rabada, batata cozida, quiabo, agrião, couve e um litro de cachaça. Tudo junto, num prato só. Ah, ia-me esquecendo: pimenta-malagueta. Quando não consigo esse prato, dou uma de alemão: repolho roxo azedo, vinagre, ovo cozido, peixe e pepino em conserva com rodelas de cebola. Mas eu prefiro rabada. A mulher esbraveja. Eu peido. Fica furiosa. Eu peido. Joga minhas roupas na rua. Eu peido. É um festival. Peido sentado, em pé, de cócoras, acordado e dormindo.
– Minha nossa! Eu não sabia. Tão fácil – ria-se abertamente Arnaldo, deixando os dentes de ouro à mostra.
– A gente dá duro, não deixa faltar nada, trabalha como camelo e elas ficam azarando. Sou contra bater em mulher. Nada de agressividade. Nunca relei as mãos nela. Muitos são bestas, nada sabem. Batem na mulher, nas crianças e na sogra. Acabam na delegacia, e presos. Eu peido. De todos os jeitos. Nunca vi alguém preso porque peidou.
– Acabo de ter uma ideia, amigo. Vou botar pra quebrar. O que tem no bar, hoje, que possa resolver minha vida? Eu também quero peidar. Bem na cara da filha da puta.
– Olha, Arnaldo, ali você tem peixe em conserva, pepino em conserva, torresmo, cebolinha a vinagrete, ovo cozido, pastéis frios engordurados e pimenta-malagueta. E a cachaça que já está tomando. Você chega em casa peidando até nas paredes.
– Ela me paga! É o que vou comer. Agora mesmo.
Com um gesto abrupto, chamou o dono do bar. Pediu tudo. Comeu tudo. Bebeu todas.
– É isso aí, Arnaldo. Não dê moleza, senão ela trepa nos seus costados.
Depois se despediram. O chão parecia fugir dos pés. Arnaldo suava frio. Mas sentia-se satisfeito. Havia um barulhinho esquisito no estômago descendo para a barriga. “Ela me paga! O dia da vingança chegou, velha rabugenta!” Estava leve, o mundo flutuava como um pássaro na noite.
Quando abriu a porta, divisou a mulher sentada na cozinha – quieta, esfregando as mãos de raiva, tinha um olhar fulminante. Ele, então, soltou o primeiro peido. Foi um sucesso. Deu uma volta pela sala. Mais outro. Bem barulhento. Fino, como se fosse um assobio. No quarto, mais outro. E mais outro. Bem alto e grosso. Voltou à cozinha e, na frente da mulher enfurecida, soltou o peido cheio de ira. A mulher cerrou os lábios de raiva. A casa fedia. Ele não parou. O gato estava dormindo no sofá. Ele foi até lá e soltou um bem alto. O gato saiu correndo, assustado. A mulher começou a gritar. Ele peidou mais. O fedor tomou conta da casa. Satisfeito, foi ao banheiro, tomou banho com roupa e tudo. Em seguida, deitou-se: molhado, a boca aberta, escancarada, os dentes de ouro brilhando no escuro. Dormiu. (continua...)