Viúvo, 52 anos, e deslocado do mundo, recorri a um conhecido casamenteiro, que me pediu o perfil da mulher desejada. Aqui vai o retrato:
“Pode ser solteira ou viúva, acima de 30 anos. De preferência, viúva. Adoro as viúvas. Mais experientes, conhecedoras das coisas da vida. Solteironas, entretanto, são bem-vindas. Quero viver uns meses junto para saber como são seu coração, caráter e hábitos. Algumas se revelam aves de rapina. São capazes de limpar a casa e os bolsos. Quero saber se roncam feito locomotivas, se sabem entender os pequenos deslizes. Pra algumas mulheres, basta uma palha voando, que fazem uma fogueira – uma anedota, uma opinião sobre costumes morais, religião, um tique, uns goles a mais. O amor facilmente azeda, se torna vinagre. Por isso, quero estudá-la, conhecê-la a fundo, em todos os recantos e precipícios.
Confesso, timidamente, que valorizo certos detalhes físicos. Não revelam a alma, mas alteram seu preço aos nossos olhos. Nada mais justo que os descreva:
– Prefiro as mulheres que têm os joelhos voltados para dentro. Parecem virginais. Quando caminham, os joelhos se roçam e, quando se sentam, estão sempre encostados, segredando. Porque há aquelas que têm os joelhos semelhantes aos arcos indígenas. Dá pra ver, quando caminham, a paisagem pelo meio e, quando se sentam, mostram todos os segredos. Essas, as de joelhos abertos, não me inspiram confiança. Parecem que elas têm muitos quilômetros rodados. Ou, digamos, horas de cama. As de joelhos voltados para dentro me parecem mais recatadas, tímidas ou sei lá o quê.
– Também não me atraem as mulheres de peito grande. Porque o peito tão desenvolvido forma, com o tempo, grande prega na parte de baixo. Mas, se ela quiser, tenho dinheiro suficiente para uma plástica. Sabe, peitos pequenos me fazem sonhar. Freud deve explicar esse meu gosto. Mas, agora, não é hora de falar sobre a psicanálise.
– Com franqueza, devo dizer que prefiro as mulheres com nádegas regulares. Algumas são prodigiosas na parte da frente e quase nada por trás. Outras – farturosas por trás e quase nada na frente. De fora, entretanto, as magricelas, vulgo tábuas de passar roupa, porque estas não têm nada na frente, muito menos atrás. Sempre há aquelas que enchem com algodão lá onde se alimentam os bebês e, lá também, onde se sentam e rebolam quando saem às ruas. Não quero ser enganado novamente. A falecida, na noite de núpcias, revelou-se magricela. Durante namoro e noivado, ela pôs algodão no peito e no bumbum. Isto, confesso, não me agradou.
– Não quero mulher papa-hóstias, do tipo carola. Muita religião faz mal, deixa as pessoas bestas. Pouca religião, por sua vez, deixa-as materialistas. Uma vez ou outra na igreja, tudo bem. Mas, todos os dias, revela fraqueza de espírito. E tem a história do compadre Rosalvo: a mulher dele não saía da saia do padre. Deu no que deu: ela fugiu com o padre e ele ficou amargurado, bebendo um litro de cachaça por dia...
– Ah, quando falei das magricelas, esqueci de dizer que não admiro as gorduchas. Nunca me pareceram amantes deliciosas, devassas do prazer. Pra mim, é claro. Tenho amigos que as preferem e se sentem bem-servidos. Cada gosto uma sentença.
– Devo dizer que o meu tempo de noitadas já passou. Não vou a bailões, nunca fui um pé-de-valsa. Por isso, a mulher desejada não deve frequentar tais lugares. Mulheres assim são fogueteiras demais. Não estou disposto a sair em excursões de terceira idade, com intuito de visitar igrejas e museus.
– Ah, muito importante, que não traga filhos e netos pra dentro de casa. Não estou disposto a educar filhos dos outros.
– Ah, que não me perturbe quando eu encher a cara de cerveja e chegar um pouco tarde. Porque é bem melhor uma conversa com os amigos do que remédios tarja preta.
– Ah, que não fique o tempo todo no celular, zapeando, trocando mensagens. Isto me dá nos nervos!
– Ah, os olhos são devem ser vesgos e nem dissimulados como os de Capitu. Pouco me importo com a cor.
Bem, é isso.”
Seis meses depois desta carta, o bilhete lacônico do casamenteiro:
“Com tantas exigências, abdico de minhas funções. Aconselho-o a procurar alguma noviça no convento. Se existir convento hoje. Você está procurando uma agulha no palheiro.”