terça-feira, 24 de outubro de 2017

"Meu bichinho de estimação" por Hilton Görresen

   A madrinha teve a infeliz ideia de presentear minha netinha com um pequeno animal. Se tivesse sido uma tartaruga ou um hamster, eu não estaria aqui me lamentando. Mas, no caso, o “pequeno animal” era um filhote de hipopótamo. Isso mesmo: aquele bicho engraçadinho, de pele rugosa, com uma bocarra enorme. A menina ficou eufórica com o presente. Podia cavalgar o animal, alisar seu dorso e, se ele coubesse, teria colocado para dormir em sua caminha. Eu sabia de antemão que ia ser um incômodo. O último animal de estimação que tivemos, o elefante branco, só deu prejuízo. Além disso, não aprendeu a fazer suas necessidades na caixinha que providenciamos para isso, e o assoalho da casa ficava intransitável de tanta massa fecal. E o pior é que ninguém se apresentava como voluntário para fazer a limpeza. Já falei dele em meu livro “Elefante Branco”. 

   O Zinho (nome que demos ao hipopótamo) era preguiçoso, vivia escancarando a bocarra. Eu o soltava num terreno baldio ao lado, e o bicho resolvia o problema de sua alimentação e, ao mesmo tempo, da limpeza do terreno, sem incomodar a prefeitura. Mas também adorava uma melancia, podendo devorá-la inteira, com casca e tudo, numa só bocada. Tive, então, que separar uma verba para as melancias. Além disso, o bicho tinha que passar algumas horas por dia na água para não ressecar a pele, veja só. Como não podia levá-lo à praia, fui obrigado a comprar uma enorme piscina de inflar. Sua pele era sensível à luz do sol e para que não ficasse só metido em casa, comprei um estoque de protetor solar. 

   Um dia, um cobrador (entre tantos) apareceu lá em casa. Quando atendi à porta, o Zinho estava ao meu lado. Com o susto, o homem saiu em disparada. Dizem que abandonou o emprego. Depois dessa, não atendi mais ninguém sem o Zinho por perto. Simples precaução. Com essa vantagem, apesar do sensível aumento das despesas, tudo estaria bem. O que incomodava é que o animal gostava de andar sempre enroscado nos pés da gente, como se fosse um gatinho. Isso dificultava o trânsito dentro de casa: ao dar um passo, tínhamos que cuidar para não tropeçar no bicho. Uma hora, quando eu estava desprevenido, lendo um bom livro na poltrona, resolveu pular em meu colo. Fiquei cerca de três semanas com as pernas paralisadas, sem falar nos danos causados à poltrona. É por essas provas de carinho e não por outro motivo que resolvi doar o animalzinho. Aviso às madames interessadas: ele adora um colinho, mas detesta que o enfeitem com brincos e lacinhos.
Crônica publicada no Jornal A Gazeta de SBS em 30/9/2017.