Isso ocorreu numa fila de banco. O sujeitinho magro e tímido estava na espera, nervoso – fila de segunda-feira depois de feriadão. À sua frente, uma senhora de cabelos pintados tricotava um casaquinho para o neto, ponto pra cá, ponto pra lá; uma jovem parecendo acostumada à espera em filas mascava despreocupadamente seu chiclete; um office boy abraçava uma imensa pasta com documentos saindo por todos os lados (é preciso esclarecer que isso acontecia numa época pré-celular).
Aí apareceu o grandalhão. O grandalhão, de calça jeans, tênis tamanho 44, olhou para o magrinho, teve um brilho nos olhos, e veio com os braços abertos:
– Cuscus! É você, meu amigo?
Aliás, ele pronunciava “cuxcux”, com acento açoriano. Parecia do tipo grude, daquele que faz questão de falar para todos ouvirem. O magrinho se encolheu todo, ainda não sabia se era com ele mesmo.
– Dá cá um abraço, Cuxcux!
E veio com tudo, agarrou o magrinho firme, o qual falou num fio de voz:
– O senhor deve estar enganado. Está achando que sou outra pessoa.
O pessoal da fila, sem nada mais que fazer, começou a prestar atenção no lance. E o grandão dizia:
– Que é isso, Cuxcux? Deixa de frexcura. Então tu não lembras de mim, o Tijucano? O Tijucano, pô! A gente se conhece dexde os tempos do 13, demos baixa juntox. Um não desgrudava do outro. Quantas vezes dormimos juntox.
Na fila ouviu-se um ahá! O magrinho quase morria de vergonha.
– Tu eras um “demonho”, Cuxcux. Quem te vê aí todo quietinho, não diz. Lembra do dia em que “tirasse” toda a roupa na boate Bambu e “dançasse” em cima da mesa? Tinha uns caras que queriam te agarrar, pensaram que tu eras frexco.
O rapaz escutava sem jeito, não tinha coragem de olhar para o pessoal em redor. No silêncio peculiar da fila, as palavras do grandão enchiam o ambiente. O gerente, lá de sua mesa, espichou a cabeça. O magrinho torceu para que o gerente viesse pedir silêncio. Que mandasse o guarda retirar aquele indivíduo do recinto. Mas só repetia baixinho: o senhor está enganado, o senhor está enganado.
Depois de um tempo, o grandão finalmente falou:
– Pois é, Cuxcux, tenho de ir embora, resolver alguns pepinox. Mas estou por aí, um dia a gente se encontra pra relembrar os bonx tempox. Valeu?
O sujeito ficou aliviado. Puxa, que sufoco! Já não bastava ter de esperar na fila, ainda aguentar um maluco desses? Vai ver estava tirando sarro da minha cara.
Nesse momento a moça do caixa chamou:
– É sua vez, senhor Cuscus!
(Crônica publicada no jornal Notícias do Dia de 09.03.2016)