Meu avô paterno, que não cheguei a conhecer, havia deixado muitos livros, edições da antiga Livraria Garnier, arrumados numa estante de mogno com portas de vidro, que até hoje tenho comigo. Havia ali os autores clássicos, aqueles que todos elogiam, dizem que são importantes, mas ninguém lê. Havia também inúmeras revistas da época e antologias com textos de hoje esquecidos beletristas. Você pode não acreditar, mas uma de minhas primeiras leituras, na adolescência, foi o discurso de Rui Barbosa ao pé do túmulo de Machado de Assis (“ao pé” – significando “ao lado” – era, aliás, uma das expressões preferidas do Machadão). O que fazer? Era o que tinha disponível. Adolescente, influenciado pelas leituras dos versos românticos de Gonçalves Dias e pelo preciosismo de Coelho Neto e Rui Barbosa, produzi alguns textos falando das “marmóreas lajes de sua eterna campa” e outras babaquices. Enviei uma dessas obras-primas, sob pseudônimo, a uma das rádios de Joinville, que apresentava um programa musical, à tarde, em que eram lidos textos de ouvintes e poesias do J.G. de Araújo Jorge, pelas quais as moças se babavam (alguém se lembra disso?). Um dia – nem acreditei – o locutor do programa anunciou: agora vamos ler um belo texto enviado por nosso ouvinte de São Francisco do Sul, de pseudônimo... (não me lembro qual foi o pseudônimo que escolhi). Colocou uma suave música de fundo. Eu estava em meu quarto, ao lado da sala do rádio, na qual se encontravam minha mãe e a tia, que se dedicavam a costurar. Droga! Logo agora! Não queria que elas desconfiassem que era eu o tal do “nosso ouvinte de São Francisco”. Colei os ouvidos na parede, mas com a conversa delas e o barulho de duas máquinas Singer, não pude saborear esse momento de glória. Para não desperdiçar os textos que elaborava e ao mesmo tempo me divertir um pouco, inventava cartas românticas, na mesma linguagem gongórica, esdrúxula, e as enviava anonimamente a algumas moças da cidade. Se uma delas passava por mim naquele dia, fosse bonita ou um verdadeiro trubufu, eu dizia comigo: é esta mesmo! Nada de preconceito. Para as bonitas, era uma homenagem; para as feias, um ato de caridade... Ficava imaginando o que pensariam ao recebê-las. Acho que algumas teriam até dificuldade em decifrar aquela linguagem estapafúrdia, com períodos intermináveis, pela qual me penitencio até hoje; podiam muito bem achar que as estava ofendendo. Mesmo assim, nunca souberam quem era seu tímido “admirador secreto”.
* Crônica publicada no jornal Noticias do Dia de 23/03/2016.