As dificuldades dentro do sistema carcerário brasileiro são frutos do abandono, falta de investimento e principalmente do descaso do poder público. O resultado desta negligência transforma um instrumento que deveria ser de reabilitação em uma escola de aperfeiçoamento do crime que tem como característica a falta de estrutura somada aos mais diversos vícios e torna impossível a ressocialização de qualquer ser humano.
Preocupados com esta realidade o Conselho Carcerário de Joinville, o Centro dos Direitos Humanos Maria da Graça Bráz e a Pastoral Carcerária com o apoio da Comissão de Direitos Humanos da OAB realizaram o VI Seminário de Gestão Prisional, Segurança Pública e Cidadania, nos dias 14 e 15 de agosto, no Alven Palace Hotel, com a intenção de debater e encontrar mecanismos de mudança de cultura e comportamento em relação a estes espaços.
Com a participação de mais de 200 pessoas o evento contou com uma inovação no que diz respeito a inclusão e formação de pessoas privadas de liberdade, sendo transmitido em tempo real no presídio com a presença de 25 mulheres que assistiram e interagiram com as mesas das palestras. De acordo com o jornalista, Felipe Silveira que acompanhou a apresentação das palestras dentro do presídio, o evento foi muito bem aproveitado pelas mulheres que acompanharam o encontro. Outro momento de inclusão do evento foi a apresentação da banda, “Acordes para a Liberdade” composta por detentos da penitenciária.
O seminário abordou a questão dos direitos humanos, da dignidade da pessoa humana e do seu desrespeito pelo Estado, especialmente com a banalização dos atos jurídicos envolvendo a execução penal. “Pela reflexão honesta do fenômeno da violência e dos reflexos que o encarceramento, com a violação dos direitos, acarreta a toda sociedade, deve-se trazer um novo pensar sobre como realmente estamos tratando a população prisional”, explica o Juiz da Terceira Vara de Execução Penal da Comarca de Joinville João Marcos Buch.
A superpopulação dos presídios é de conhecimento do poder público e já existem políticas públicas para minimizar este problema, porém, não saem do papel. Entre todas as dificuldades encontradas dentro do ambiente prisional existe a inevitável violência que decorre do não cumprimento da Constituição Federal Brasileira e também a própria Lei de Execução Penal (LEP), no seu artigo 88, estabelece que a pena se dê em cela individual, com área mínima de seis metros quadrados.
Um problema deságua em outro e um dos mais graves que é a precarização da saúde. Com a redução de espaço dentro das celas, aumentam as dificuldades das condições sanitárias, incidência de tuberculose, doenças de pele e psiquiátricas. De acordo com o professor da USP, Cláudio Amaral estas ocorrências dentro dos presídios chega a ser até três vezes maior.
Devido a todas estas mazelas constatadas no sistema carcerário são estudadas várias formas de neutralizar e eliminar situações de violação de Direitos Humanos. Uma delas parte de uma reflexão contra o encarceramento total. “O encarceramento total só pode ser levado em conta por aqueles que lucram com isso. Há um grupo grande de pessoas e empresas lucrando com a desgraça que é o aprisionamento de seres humanos pelo mundo afora”, expõe o professor e Advogado Criminalista, Virgílio de Matos. De acordo com o professor não existe um retorno positivo no formato de prisão existente e que acarreta todas estas dificuldades.
Uma das maiores apoiadoras no melhoramento e humanização do sistema prisional é a Pastoral Carcerária e intensifica desde 1997 um trabalho voltado para as mulheres encarceradas. Segundo a Vice Coordenadora Nacional da Pastoral Carcerária, Irmã Petra Silva Pfalker, percebeu-se que era como que se a mulher não existisse no sistema prisional. Com isto todos os cuidados específicos com a mulher também eram negligenciados que perpassam desde a higienização, maternidade, consultas médicas, etc. “A Pastoral Carcerária começou questionar isso e tentar enxergar a questão das mulheres encarceradas com um olhar diferente. Quem são as mulheres encarceradas? O que as motiva? O que as angustia?”, ressalta Irma Petra.
Outro fator que agrava as dificuldades de mudança no sistema prisional com olhares mais humanos é a banalização das violações dos direitos humanos propagado pelos meios de comunicação. Fatos manipulados geram a cultura da violência, da vingança e da punição. “Há uma inversão perversa no foco da cobertura: a mídia comercial vende um pacote de violência embalada no mais abjeto sensacionalismo quando o objetivo estratégico deveria ser contribuir para a construção de uma cultura de paz, tolerância e civilidade”, problematiza o Professor da Universidade de Brasília e Jornalista, Samuel Lima.
Uma reflexão sábia exposta pelo Corregedor responsável pelo Núcleo V, Dr. Alexandre Karawava Takaschima, no início do encontro, se fez presente em todas as falas do encontro, que levantou: “a participação da galinha e do porco, no omelete”. A galinha cede os ovos para o omelete e depois está livre. O porco para oferecer o bacon, cede a própria vida. Como cada um participa na luta por aquilo que acredita?