Fernanda Azevedo foi o grande destaque do 26º Prêmio Shell de São Paulo, entregue na última terça, dia 18 de março. Ao receber o troféu de melhor atriz, ela protestou contra a multinacional petrolífera, e lembrou que a Shell contribuiu com a ditadura. A peça de Fernanda é Morro como um País - Cenas sobre a Violência de Estado, que volta ao cartaz no próximo dia 26 no CIT-Ecum, em São Paulo [veja serviço ao fim]. O espetáculo faz uma ponte entre os dias atuais e os tenebrosos tempos do regime ditatorial militar no Brasil. Fernanda conversou com o Atores & Bastidores do R7 com exclusividade sobre a atitude corajosa, e a repercussão de seu discurso.
Miguel Arcanjo Prado — Como surgiu a ideia do discurso?
Fernanda Azevedo — Tudo que a gente faz, todas as ações da Kiwi Cia. de Teatro são discutidas em equipe. Nós discutimos o quanto era importante falar sobre a participação da Shell junto a regimes opressores. Porque isso é coerente com o trabalho artístico da nossa companhia. Principalmente o atual, Morro como um País, que traz à tona como os regimes violentos de Estado repercutem até hoje. E que contaram com apoios de empresas como a Shell. Nada mais natural do que, ao receber um premio de uma empresa que contribuiu com regime totalitários, que a gente fale sobre isso.
Como você encarou o silêncio de boa parte da plateia formada por artistas quando você fez seu discurso?
Acho natural. As pessoas podem ter receio de se comprometer com discurso que não fariam. Teve metade de silêncio, mas teve também uma parte que aplaudiu. Infelizmente, vivemos num tempo que as pessoas não querem se comprometer com um discurso político como esse. Isso não me espanta. O importante é que recebemos apoio de grupos muito próximos a nós, que veem o teatro como uma ferramenta de transformação da sociedade. Existem muitos destes grupos em São Paulo. Muitos outros fariam este mesmo discurso. O próprio Rogério Tarifa, da Cia. do Tijolo, fez um discurso contra a militarização da polícia. Não estamos sozinhos.
Houve pessoas da classe artística que criticaram seu discurso. O diretor Ruy Filho, por exemplo, escreveu em uma rede social que “Denunciar é fácil e positivo. Coerente é negar o prêmio. Mas aí não é tão fácil assim”. Como você encara isso?
A classe artística é uma coisa muito ampla. Existem muitos setores. O Ruy Filho tem um discurso contrário à nossa defesa há muito tempo, como as críticas que ele faz à Lei do Fomento ao Teatro, que nós defendemos. Não me espanta nem um pouco ele falar isso. Vivemos num ambiente bastante conservador, e a classe artística está incluída nisso. Não estamos fora do mundo. Da mesma forma como eu tenho o direito de expressar meu pensamento, as pessoas têm o direito de expressar o pensamento delas. O importante é termos direito a falar o que pensamos e dialogar. Estamos vivendo em um tempo em que não dá para ficar muito calado. E acho que o teatro tem tudo a ver com isso. A gente vive neste mundo. Nós da Kiwi não vamos nos calar porque tem pessoas que não concordam conosco. Com relação ao prêmio, não somos favoráveis a premiações. Gostaríamos que o País tivessse políticas públicas de cultura concretas. Acho que o Prêmio Shell é um reconhecimento ao trabalho, mas não é ele que vai fazer com que nossa companhia mude nosso pensamento.
Vocês vão fazer nova temporada de Morro como um País?
Vamos voltar com Morro como um País agora no CIT-Ecum, de 26 de março a 17 de abril. É uma temporada muito importante, já que teremos a data dos 50 anos do golpe-civil militar. Ficaremos quartas e quintas, 21h. Na estreia, no dia 26, teremos o Cordão da Mentira tocando sambas de protesto conosco.
O que é o Cordão da Mentira, que estava inclusive escrito em sua camisa no Prêmio Shell?
É um cordão carnavalesco criado há três anos, formado por artistas e ativistas, com um desfile criativo para discutir a falta de Justiça no Brasil, fazendo relação da violência de ontem com a violência de hoje. O Cordão da Mentira vai sair no dia 1º de abril, às 17h30, em frente ao antigo DOPS [prédio de tortura durante o regime militar], onde hoje é a Estação Pinacoteca, na Luz, e vamos percorrer as ruas do centro levando nosso samba crítico e intervenção teatral para discutirmos a sociedade que queremos 50 anos após o golpe civil-militar.
Vocês vão viajar com Morro como um País?
Vamos, sim. Estreamos em 23 de abril no Rio, onde ficamos até 2 de maio na Sede das Companhias, na Lapa. Depois, faremos turnê pelo Nordeste e por Brasília. Este será um ano muito importante para a Kiwi Cia. de Teatro.
Morro como um País - Cenas sobre a Violência de Estado
Quando: Quarta e quinta, 21h. 90 min. De 26/3/2014 a 17/4/2014
Onde: CIT-Ecum (Rua da Consolação, 1623, metrô Paulista, São Paulo, tel.0/xx/11 2122-4070)
Quanto: R$ 40,00 (inteira) e R$ 20,00 (meia-entrada)
Classificação etária: 14 anos