Oslávia era feia feito fritura queimada. Por ser folha seca escura, tinha olhar de ponta de faca. Todo mundo sabia que morreria sozinha. O pressuposto não se deu. Onévio, rapaz de boa presença, desejado por tantas, botou os olhos nela e gostou demais da fritura queimada.
Namoro, noivado e casamento sem graça. Depois de abençoados pelo padre apressadamente, foram morar no sitiozinho ao pé da serra. Todo pé acha seu chinelo? O povo se esqueceu deles. Só de vez em quando, as mulheres diziam:
– A bruxa está criando verrugas...
Nada mais. Cinco anos se passaram. Então, a notícia: Oslávia abandonara o marido. Soube-se que ela o destratava. Quieto, tartamudo, ele se conformava. Mas o pote da paciência se encheu e ele disse: “Quer filho, saia por aí”. Pois ela não cultivou dúvidas.
– A bruxa foi atrás de outro castelo – comentava-se pelas várzeas, grotas e chapadas.
Só, naquele fundo de serra, onde o vento assobiava, Onévio ficou mais sombrio. Pensava nela. A cabeça inchada, picada por marimbondos da bunda preta.
Tempos depois, num fim de tarde, Oslávia retornou. Estava mais feia, gasta, mas o olhar de ponta de faca continuava desafiador.
Onévio se alegrou. O amor rói a razão? Ruim com ela, pior sem ela. E dois anos se rasparam. Ofensas, discórdias, palavras duras. Mas ele gostava muito dela.
Então, novamente ela pegou a mala de couro gasta e partiu, desaforando céu e terra. Lá ficou Onévio, limpando o rastro de fel por ela deixado. O povo apimentava:
– O diabo não se aquieta nunca!
Esteve em Quadrínculo, no meretrício. Um ou outro a procurava. A feiúra assustava, embora disfarçada por grossas camadas de pó de arroz e batons carmesins. Uma novata estava para ganhar a criança. Oslávia a tratava como filha, bondosa como nunca. Quando a criança completou três meses, ela o raptou e foi assim que ela retornou, num dia de muita chuva, ao sitiozinho do pé da serra.
Viveram dias felizes. Uma criança renova a esperança e recria o futuro. O passado se torna pó. O arco-íris cortava o céu de lado a lado.
Veio a polícia e a levou num jipe, a criança também. Ela chorava e sua feiúra metia espanto. Julgada, cumpriu seis anos de reclusão em Sarandi. Segurava com força uma boneca magricela descabelada.
Quanto voltou, estava acabada. Nem notou o olhar feliz de Onévio. Não havia nenhum arco-íris no céu. Nuvens baixas, pesadas, enegrecidas, prestes a desabar, com ribombos de trovões ensudecedores. De lá, não saiu mais. Passou o resto da vida segurando a mesma boneca magricela descabelada. Foi enterrada no quintal, sem rezas nem loas. Nem os tatus quiseram revirar a cova.
Onévio continuava esperando sua volta...