Sempre que escrevo estas crônicas me assalta certa dúvida ou angústia: não sei se estou me dirigindo mais ao público masculino ou ao feminino. Onde me refiro ao leitor, talvez tivesse que escrever leitora. Ou diplomaticamente, como certo ex-presidente da República, devesse escrever: leitoras e leitores. Outra opção seria usar uma expressão utilizada atualmente: caro(a) leitor(a). Acho horrível essa última. Elimina toda a intimidade, toda a aproximação que os cronistas pretendem com seus leitores. Dá ideia de um carimbo, que serve para todo tipo de documento.
Machado de Assis, em algumas de suas obras, costumava dirigir-se às leitoras, provavelmente porque eram elas, na época, que mais se deleitavam com a leitura de romances. Sei que as feministas se revoltam com o que pretendem ser um preconceito, do qual bastam poucos exemplos: se numa classe existem 50 meninas e um só menino, todos vão ser classificados como alunos. Se uma mulher se destaca na Câmara, certamente será mencionada como o melhor vereador.
Mas vamos encarar essa situação de outra maneira: como um privilégio, uma distinção dada às mulheres. Não, não estou falando besteira. Algumas vezes a palavra masculina, principalmente no plural (alunos), corresponde ao antigo neutro do latim, servindo, portanto, para os dois sexos. Algo assim como alumnum (quem passou pelas aulas de latim sabe que o famigerado neutro sempre termina em um). Não por coincidência, tal terminação só poderia ter evoluído para “o”, isto é, alumnum virou aluno (há atualmente uma tentativa de substituir a terminação neutra por um “x” ou pelo símbolo de “arroba”). Os nomes femininos, para serem diferenciados, foram acrescidos de uma terminação, que se denomina desinência. Desse modo, os elementos femininos podem figurar em duas classes: o feminino (aluna) e o neutro (aluno ou alunos), o que não acontece com os marmanjos. Uma vendedora, por exemplo, pertence à classe geral dos vendedores e à classe particular das vendedoras, onde nenhum marmanjo pode colocar o pé. É como se as meninas pudessem participar do clube do Bolinha, mas os meninos não pudessem fazê-lo no clube da Luluzinha. Responda, leitora, isso não é um privilégio?
Como nas crônicas pretendo dirigir-me à individualidade dos leitores, optei por expressar-me considerando a forma neutra (leitor ou leitores), com a certeza de que estou publicando uma crônica unissex, dirigindo-me a todos, homens e mulheres deste imenso Brasil (não exagera, cara!). Crônica publicada no Jornal A Gazeta de SBS em 06/10/2018.