segunda-feira, 16 de abril de 2018

Frívolo peralta por Hilton Görresen

Você conhece o Tertuliano? Não, não é esse. Tertuliano é o personagem de um versinho do Arthur de Azevedo (aquele do conto “Plebiscito” que constava de muitos livros escolares, também autor da comédia “Amor por anexins”). A poesia começava assim: “Tertuliano, frívolo peralta/que fora um paspalhão desde fedelho/ tipo incapaz de ouvir um bom conselho/ tipo que morto não faria falta”. Em linguagem de hoje, a tradução seria, mais ou menos (vamos mudar o nome do personagem, hoje ninguém dá à criança o nome de Tertuliano): Mauricinho (ou Disneílson), desligado cara de pau, que foi um sem noção desde moleque, sujeito incapaz de ouvir os mais velhos, cara que não faz diferença pra ninguém se está aí no pedaço ou se já foi pras cucuias. Não rimou, mas talvez dê para entender melhor. Quem hoje em dia ouve conselhos dos mais velhos? A gente passa toda uma vida fazendo besteiras, caindo aqui, levantando ali, quando resolve capitalizar os erros, passar esse capital para os filhos, com juros e correção monetária, o que acontece? Eles dispensam nossa experiência, como se fosse coisa velha, ultrapassada, como o bolero, o samba-canção, a calça boca-de-sino, as fitas VHS ou as comédias do Oscarito. Mas isso já era assim no tempo do Tertuliano, entre o final do século 19 e o comecinho do século 20. Só os costumes eram outros: naquele tempo, conhecido como “Belle Epoque”, os rapazes chiques iam para a Capital Federal “estudar” e gastavam a mesada dos pais tirando uma casquinha das atrizes de teatro, das belas mademoiselles francesas ou das desprevenidas costureirinhas. Nas horas vagas, estudavam apenas o suficiente para se tornarem bacharéis. Bacharel queria dizer: filho de pai latifundiário ou fazendeiro, que, no máximo, se agarrava num cargo público ou na política, continuando a fazer aquilo a que estava acostumado, ou seja, nada. Ignoro se naquele tempo existiam certas manobras que permitiam ao ocupante desses cargos locupletar-se (paciência, é um termo daquela época) com o dinheiro público. Hoje os Tertulianos dirigem carros envenenados, frequentam festinhas embaladas a muita droga, colocam fogo em mendigos adormecidos. Vão às universidades em busca de seus diplomas, mas não têm tempo para o estudo. Engajam-se em política, e até defendem o socialismo, a justiça social. Não duvido que em pouco tempo estejam nos representando no Congresso.

Crônica publicada no Jornal A Gazeta de São Bento do Sul em 24/03/2018.