Não foi amor à primeira vista, mas, sim, de lonjura e jornada. Nem poderia ter sido amor de turista, mas de alguém que, passo a passo, chega a te chamar de casa. Para quem vem de Londrina, onde nem é preciso dormir para estar num sonho de cidade, em ti, Joinville, foi preciso cultivar os olhares. As infindas horas de chuvas, passadas de bem-vindas a estorvo, mas quem de amor a ti não serviu-se na maternidade, se engana se disser que te ama à simples chegada. Como o rio que risca sua face, e de hora em hora afasta-se e volta à sua nascente, fui sendo agravado no peito desse amor, até a ossatura da montanha, que se ergue tecida de névoa e polaina, nas pernas das bailarinas e ao derredor, nos recônditos percorridos que me fizeram indesejar o fim do percurso.
O amor por Joinville não é desses que surgem só em olhar. Requer persistente convívio, mesmo que dele se tenha menos a receber que doar. E, apesar de tardio, florescido entre o mangue e os espinhos, e não sendo da gema, dou-lhe mãos ao cultivo, fazendo-me mais e mais teu cativo sem algemas. Não basta estar por aqui de cruzada e receber o arpejo quente de tuas ruas, com o pensamento lá em outra cidade. É preciso estimar suas linhas tortas, mal desenhadas, sem nanquim, nem prancheta, riscadas pelo varar de pés e o declínio dos ventos. Enquanto anoitece, ama-se primeiro as tuas cervejas. Um caminhante vago de propósito, ao bater da Ave-maria, recolhido no sotaque do silêncio, perambula ao largo dos bares e de tuas cafeterias, reconhecido de que te ama. Não é amor de trejeitos, de arroubos, brigas e beijos, mas se fez, tendo sido uma vez um simples caminho, que se descobre na flor ressequida, deixada entre as páginas lindas do livro de dona Elly.
O amor vem com o tempo e cresce nas enchentes que trazem o mar à soleira da sua casa, nas aguadas de cada março, nas tempestades do fim do dia, nas combinações que fazem a maré e o pampeiro se darem as mãos, de janeiro a janeiro. Um amor quase ódio, que pisa duro e pensa impropérios, mas sempre propenso ao arrependimento e ao perdão. O amor se alastra com o mormaço, transparente ardor que se respira. Numa tarde, embaixo de uma amoreira de galhadas longas e folhas cerradas, tão farto em frutos e carregado de pássaros que facilita em ti confundir o 9 de março com o sétimo dia da criação. Ama-te o migrante, Joinville, de um amor que guarda o descanso de Deus.