Alguns dizem: o melhor da aposentadoria é esperar por ela. É como uma criança aguardando o dia de aniversário: festa, bolo, presentes e o momento único e irrevogável do “parabéns a você”. O futuro aposentado planeja pescarias, passeios, viagens, com a grana do FGTS no bolso. Espera acordar de manhã livre como uma gaivota, sem a obrigação do ponto, sem um chefe a lhe bafejar ordens; sem ficar fechado num ambiente enquanto lá fora o sol esplende num dia de céu azul.
Mas alguns, após meses de entusiasmo, viram escravos do pijama e da TV, sem mais objetivos na vida. Começam a relaxar, a engordar; para alguns, a maior atividade é mexer as pedras de dominó na praça. Conheci um aposentado que passava os dias sentado à cabeceira da mesa, meditando e fumando. Não sei se morreu do fumo ou de inanição.
Outros cercam-se de atividades. Fazem parte de associações, confrarias, trabalhos beneficentes, tornam-se síndicos do prédio, além de assumirem as obrigações familiares: levar os netos à escola, pagar contas no banco, fazer compras. Tem alguns que se tornam cronistas de jornal.
Ao entrar no time de aposentados, levei tempo para me acostumar, ficar consciente da liberdade adquirida. Mas nada é perfeito: ainda sonho que estou no serviço, e em suas partes mais negativas: a soma que não fecha, o lançamento que não consigo terminar, a pilha de serviços que não baixa; aliás, só aumenta, numa prestidigitação própria dos sonhos.
Por vezes, não consigo chegar ao local de trabalho. Os ponteiros do relógio se aproximam da hora do ponto; eu entro por uma porta, saio por outra, vou parar no andar errado, volto ao lugar de inicio. A agonia de não chegar a lugar nenhum é o pior dos pesadelos. Acordo, abro os olhos e constato a alegre realidade: ainda estou aposentado. Será que devia consultar um psiquiatra?
Não perdi status – o grande mal da aposentadoria – pois nunca o tive, vivi dentro de minha modesta discrição, somente aprendendo.
O mitólogo Joseph Campbel, em seu texto “A jornada do herói”, diz que ao término de sua jornada o herói volta ao antigo equilíbrio. Isso, transposto para nossa vidinha cotidiana, significa a aposentadoria, o fim da jornada. Libertos das obrigações, da competição, voltamos à liberdade da juventude: acordar tarde, encontrar os amigos, namorar, ter aventuras. Mas o corpo já não acompanha os impulsos internos, as amarras da sensatez freiam os arroubos aventurescos, as belas jovens estão mais interessadas nos garotões malhados (ou nos diretores de TV). O que nos resta?
Texto publicado no jornal Noticias do Dia em 18/05/2016.