Toda semana se encontrava com a morena de Brusque. Ela era casada, sem filhos, o marido um funcionário miúdo de repartição pública. Adorava tudo nela, as pernas roliças, sovando uma na outra, o dedão do pé mais curto, o suor fino no rosto e sobretudo o sotaque açoriano. Encontravam-se perto da rodoviária, ele abria a porta do carro e vupt! a morena se abancava e seguiam para o apartamento, às vezes para um motel. Criativa, ela sempre inventava um troço diferente, dessas intimidades entre quatro paredes. O que ele gostava mais era o “castiguinho”, artimanha que não posso descrever neste texto.
– Castiguinho não, pelo amor de Deus! – ele fazia encenação, fingindo que não queria, pra ficar mais gostoso. Ainda mais que ela falava “caxtiguinho”.
– O menino foi malcriado. Vai levar caxtiguinho – dizia ela.
Com isso tinha conseguido dele o aparelho de som, a lavadora de louça, quitação do carnê do jogo de quarto, um aparelho de barbear – presente para o maridão –, entre outros.
– Como é que você explica em casa esses presentes?
– Ele acha que tenho economias, do tempo de vendedora da Avon.
Um dia, o marido morreu afogado numa pescaria. Compareceu ao enterro, só observando de longe. Viu o caixão baixar à cova, cheio de coroas de flores em cima, uma velhinha seca que se lamentava, abraçada a um jovem, e a morena, de preto, fazendo seu papel de viúva inconsolável. Acabou casando com a viúva. Era um amor velho, já havia se acostumado a ela. Esta, por sua vez, para não perder o costume, arranjou um amante em Brusque. Era ele sair para o emprego, pegava o Fiat que ganhara de presente e ia encontrar o outro na rodoviária. Uma vez por semana. Começou a desconfiar quando ela lhe deu uma jaqueta de couro no aniversário. Disse que eram economias de quando trabalhava com a Avon. Certamente não se lembrou de que ele “já havia visto esse filme”. Passou a deixar um gravador escondido no quarto (na época não havia as modernas câmeras). Qualquer evidência, levava o gravador para seu advogado e conseguia a separação numa boa. Adultério. Numa sexta-feira, à noite, ao rodar o aparelho, viu que havia algo gravado:
– Castiguinho não! Eu não mereço. O que eu fiz pra ganhar castiguinho? – era uma voz grossa, fingindo indignação.
– Foi um menino malcriado. Vai ganhar caxtiguinho duplo.
Duplo? Com ele, nunca tinha chegado no duplo. Como seria? Desistiu de utilizar o material gravado. O juiz não ia entender essas intimidades.
Crônica publicada no jornal Noticias do Dia de 29/06/2016.