Quando era garoto, o Natal lá em casa não tinha muita comilança nem “bebelança”. Às 19 horas, minha mãe postava a mesa e sentávamos para o que conhecíamos por jantar de Natal: arroz, maionese e galinha recheada, sem esquecer da sobremesa. Comer galinha não era coisa de todo dia. Era preciso encomendar a penosa, depois amarrar suas pernas e asas e deixá-la jogada num canto da cozinha. Na véspera da festa minha mãe colocava uma vasilha debaixo do pescoço da infeliz para colher o sangue e passava-lhe a faca. Por isso, galinha era iguaria especial, somente para dias de festa.
Depois desse jantar frugal, enquanto os vizinhos de baixo colocavam na grelha galetos e costelas, era hora de descermos a escada para esperar lá embaixo enquanto Papai Noel vinha depositar nossos presentes debaixo da árvore. Todos sabem que Papai Noel se utiliza das chaminés para entrar nas casas. Tínhamos fogão a lenha, e nossa chaminé era um cano, que subia pegado à parede. Como o velhinho iria passar por ele e chegar até nossa árvore de Natal?
Preocupado com isso, resolvi me postar do outro lado da rua e ficar de olho na chaminé. Não demorou muito, divisei um vulto se esgueirando no telhado. Era uma figura volumosa; trazia nas costas um saco que parecia pesar muito. Ia como quem pisa cautelosamente em telhas, e isso não é nenhuma metáfora, pois eram telhas mesmo. Se ele escorrega, na certa vai quebrar um monte de telhas, foi o que pensei. Meu pai vai ficar possesso, e dizer, como de costume: por isso o Brasil não vai pra frente! Ora, um Papai Noel vir dar um prejuízo desses na casa do cidadão. E o pior, o cara que costumava fazer pequenos serviços lá em casa demorava uma semana para atender meu pai. E lá vinha: por isso que o Brasil não vai pra frente!
Nisso observei que o vulto aparecia mais claramente. Usava um gorro com pompom na ponta e, sob a claridade da lua, brilhava uma barba grande e prateada. Só podia ser ele, o bom velhinho. Chegando ao cano da chaminé, parou, examinando a situação. Enfiou nele um dos pés, depois tentou passar a barriga e o enorme saco (o dos presentes, lógico). Nada deu certo. Acabou desistindo de entrar pelo cano (isto também não é nenhuma metáfora) e sumiu de vez, certamente voltando ao seu trenó, estacionado em algum lugar.
Agora, incrédulos, não venham me dizer que Papai Noel não existe. Eu o vi com meus próprios olhos, em cima do telhado. Só acho que seria muito melhor se, para entregar os presentes, ele batesse na porta das casas.
(Crônica publicada no jornal Notícias do Dia, de 23/12/2015)