Sou daquelas que entendem a língua mãe, como mãe mesmo. Acho que a palavra faz parte da construção de um indivíduo. Talvez a mais concreta das subjetividades, esse símbolo uma vez organizado em discurso, traduz o indivíduo. Pela palavra reivindicamos, com ela lutamos e através de seus conteúdos nos declaramos. É como se a palavra fosse um carro conduzindo dentro de si nossa história.
Tive a honra, o luxo e a sorte de viver numa casa onde ela reinava, nos livros, nas histórias, na voz de minha mãe e sua canções, na poesia da prosa do discurso do meu pai, fosse para elogiar ou punir. Um dos seus provérbios preferidos para dar sermão na hora de um vacilo era esse: “Pode-se levar um burro à beira de um lago, mostrar para ele esse lago, tomar na sua frente de tal água; mas não se pode beber por ele.” Nesta metáfora, Dr. Lino fazia com que entendêssemos que o saber exige de nós esforço, determinação, coragem. Que a passividade poderia nos fazer beber líquido que não desejamos.
Tive outras graças na minha formação, além da boa palavra familiar: Caí no colo de bons professores de português e de uma professora particular que dava “Interpretação Teatral da Poesia” como ela inovadoramente dizia. Moderna, inteligente, divertida, Dona Mariinha me ensinou a reconhecer as histórias dos poetas e do mundo em seus versos e a me reconhecer neles. Ou seja, esse ensinamento entrou na minha vida exatamente na hora em que havia, e hoje não está tão melhor assim, pouca literatura para uma criança entre onze e treze anos. Mesmo naquela cidade do inexpressivo Espírito Santo daquela época para o país, eu pude ver e viajar para além de vários horizontes por causa da literatura. Quanto mais lia tais poetas modernistas que Maria Filina me apresentava , sem que eu percebesse, mais aumentava meu repertório, mais rico ele ficava, numa hora em que a adolescência requer vocábulos para manifestar sua rebeldia, suas curiosas revoluções em busca da identidade. Hoje sei que foi boa amiga e companheira Dona Poesia, sem a qual talvez eu nem estivesse aqui. Talvez eu tivesse me perdido de mim. Minhas intensidades emocionais, minhas atividades mentais de uma menina hiperativa, se equilibram e se organizam na prática da escrita. Como muito cedo aprendi a falar em público, hoje percebo a segurança que tal prática me deu. Se estou entre os meus, tenho a palavra para me proteger, ajudar e esclarecer. (continua...)