Os escritores, por natureza, são intimistas. Veja bem, David Gonçalves não fala em isolamento, mas de uma certa retração em prol do ambiente perfeito para a criação literária. É um sentimento que o paranaense radicado em Joinville conhece bem – são quatro décadas de escrita nas costas e mais de 30 títulos lançados. Mas a “solidão” teve fim quando os encontros com outros autores locais na Biblioteca Pública tornaram-se tão produtivos que resultaram na Confraria das Letras, que depois evoluiu para uma associação homônima focada em publicar obras e divulgar o trabalho de seus integrantes. Após cinco mini-antologias, a união de forças chegou a Saganossa, uma coletânea de textos de 22 escritores lançada nesta segunda, dia 07 de abril na Feira do Livro de Joinville. Presidente da cooperativa literária, Gonçalves conta nesta entrevista as vantagens do sistema e seus planos de levar as letras joinvilenses para todo o País.
Qual o maior ganho que a Confraria das Letras possibilitou até agora?
David Gonçalves – A Confraria, um projeto da Biblioteca Pública, reuniu e agitou o meio literário de Joinville. Dela nasceu a Associação dos Escritores, que, de fato, mexeu com a produção literária, não só de Joinville, mas do Estado. Juntos, os escritores se fortaleceram.
Como você avalia a realidade literária de Joinville antes da Confraria?
David - Antes da associação, cada um produzia em seu canto e muitos não conseguiam publicar e divulgar sua obra. Os escritores, por natureza, são intimistas, não gostam de participar de grupos, até porque a criação literária é exclusiva – pensamentos, estilos, gêneros etc. Então, havia um certo marasmo. Com a associação, houve maior incentivo, maior desenvoltura, e iniciantes e veteranos voltaram a produzir e a mostrar os seus trabalhos. Pode-se afirmar que há uma explosão criativa. Isto se deve ao trabalho da associação, que não é algo fechado, como as academias de letras.
Aliás, em Jaraguá há uma iniciativa semelhante, a Ciranda Literária…
David - Por meio da Biblioteca Pública de Jaraguá do Sul, a Ciranda Literária também está criando condições para novos e veteranos terem uma produção literária constante e intensa. Mas eles ainda não criaram uma associação, uma entidade independente. Como a nossa associação não se restringe a Joinville (temos associados de outras cidades e de outros Estados), esperamos que os escritores de Jaraguá e região venham a compartilhar dela.
Então ela já é uma ideia concretizada.
David – Sem dúvida! Ela fomenta a criação literária. Já produzimos e editamos cinco miniantologias num ano e meio de atividades, com recursos próprios. Fizemos o 1o Encontro de Escritores Catarinenses com recursos próprios, sem ajuda do Estado, que foi um sucesso. Neste ano, já estamos programando para novembro o segundo encontro. No ano passado, reunimos 120 escritores. Neste ano, queremos reunir 200 e, juntos, discutir a produção literária catarinense. Nesta Feira do Livro, estamos lançando o livro Saganossa, no sistema cooperativado, com 22 autores. Esse sistema não é novidade alguma, mas na literatura sempre foi pouco usado. Juntos, os autores se sentem mais fortalecidos.
Quais os planos da associação? Continuar publicando antologias ou há algo além?
David - Vamos continuar incentivando a literatura e publicando e divulgando, não só para os joinvilenses, mas para o País. Até pouco tempo, quando se pensava em Joinville, o que vinha na cabeça das pessoas é que aqui se produziam geladeira, parafusos, PVC etc. Queremos dizer ao Brasil que fazemos também boa literatura. Aos poucos, queremos ter escritores de outros Estados. A ideia é transformar o título Saganossa num selo editorial. Todas as nossas publicações sairão também em forma de e-book.
Publicar ainda é o maior obstáculo dos escritores?
David - Publicar é uma coisa, divulgar é outra. Muitos estão publicando, mas encontram fortes barreiras na distribuição. Distribuir é o grande problema para os escritores que ainda não estão na mídia. Sozinho, há poucas chances.
Você percebe uma tendência de formato e temática entre os autores da cidade e da região?
David - O que se percebe é uma grande quantidade de escritores se dedicando à crônica, à poesia e à literatura infantil. Poucos estão produzindo contos e romances. Alguns, ansiosos por editar, acabam escrevendo livretos com dez frases.
O quanto as feiras do livro de Joinville e Jaraguá impulsionaram os escritores da região, inclusive em termos de produção?
David - Elas são vitrines onde os autores expoem suas obras. Sem dúvida, elas mexem com o marasmo literário e ajudam a criar o hábito de leitura. Hoje, no Brasil, parece que há mais escritores do que leitores. Todos sabem que o brasileiro não dá muita importância à leitura. Por incrível que pareça, o que mais reprova nos vestibulares é a redação. Muitos se formam na universidade sem saberem elaborar um bom texto.
Você concorre a uma vaga na Academia Catariense de Letras (ACL). É um sonho ser imortal?
David - Não. Meu ideal valioso é a literatura. Vejo que as academias de letras deveriam ser mais ativas. Se um dia estiver nela, quero mexer com o marasmo. Até parece que alguns autores, depois que entram, deixam de produzir. Por sua vez, já é hora do Norte de Santa Catarina ter um representante na ACL. Mas a boa literatura vive sem as academias.
Matéria publicada no Jornal A Notícia (07/4/2014) por Rubens Herbst / Orelhada