O sol não apareceu antes das dez da manhã. Mas deu o ar da graça. A agenda do dia, anotada em um velho e ainda útil caderno, era intensa, com oficinas, reuniões, palestras e um trabalho administrativo interminável, tal qual afazeres de uma dona de casa. Para relaxar, à noite encontraria o Luiz Osório, ele corintiano e eu são-paulino, estaríamos unidos na arquibancada por um tricolor em comum, o JEC. Descobrimos que não visitávamos a arena há quatro anos. Um absurdo para dois amantes de arte tão popular.
Entre o último compromisso do dia e o futebol, arrumei um breve tempo para um café com a Claudinha em um de nossos locais favoritos para tal deleite, a Terra Natal. Ao entrar, o aroma dos grãos sendo moídos nos invadiu nariz e alma e, nesse exato momento, toda preocupação ficou para trás. Sentamos próximos à lareira, desligada, porque o inverno veraneou. Ela vai de machiatto, eu peço um cortado, que já não está mais no cardápio, mas tenho regalias por lá (sim, estou me exibindo). Para comer, optamos por uma fatia de pão preparado com fermentação natural e deliciosamente tostado, para acompanhar escolho manteiga e Claudinha vai de geleia de morango. Enquanto aguardamos, conversamos sobre amenidades. Quando falo em amenidades, entenda-se besteira. Sou do tipo que faz graça, muitas vezes desgraça a conversa. O fato é que tenho cá comigo um humorzinho matreiro que não se apaga. Por isso mesmo, já ensaiei muitas vezes a ideia de preparar um stand up ou investir na formação em palhaçaria. Soube tempo atrás que o processo de criação de um clown parte do reconhecimento de seus ridículos, da aceitação de que há um bufão prestes a soltar-se em esgares e tontarias.
Claudinha também tem seus momentos, mas é contida, preocupada com o que dela vão pensar e contém-se. Mas há de haver uma bufona pronta a escapar de si.
Chegam os cafés em xícaras brancas, com flores feitas da espuma do leite. Os pães, de grãos para mim; integral para ela, são postos à mesa. Taline, sem saber o teor do assunto que antecedeu sua chegada, aponta para mim e Claudinha e diz “Manteiga e Geleia”. Olhamos um para o outro e o riso nos escapa. Acabamos de encontrar nossos clowns.