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domingo, 5 de outubro de 2014

Morreu uma criança por Hilton Gorresen

"Hoje meu texto é triste porque morreu uma criança. Morreu uma criança atrapalhando o trânsito. Mas que importa para uma avó ou uma mãe transfiguradas pela dor a quilométrica fila de carros parados, muitos deles conduzindo pessoas aborrecidas pela perda de seu tempo, que ignoram que mais adiante uma pequena flor foi ceifada pelo caule. Eu estava ali, a poucos metros, pensando como a vida é imprevisível, como as viagens podem ser sem volta. Ou imaginando que, por alguns minutos, poderia acontecer comigo ou com vários outros. Ou quem sabe preferindo que fosse comigo; não iria me sentir tão desolado, tão machucado pela morte de uma criança desconhecida. O destino, às vezes, brinca de colocar as pessoas nos lugares e nas horas erradas. Uma pedra que cai, uma bala perdida, um prédio que desaba, um caminhão que não consegue frear, e alguém que nem percebe que a vida se exalou como um clarão repentino. Como escreveu o poeta inglês John Donne, “Não perguntes por quem os sinos dobram, eles dobram por ti”. A morte desse pequeno ser desconhecido me apequena, me transtorna. Com essa criança que poderia estar rindo e certamente nem percebeu o choque que lhe apagou o riso, que a transportou num segundo para plagas desconhecidas, morreram um pouco todas as crianças do mundo."